quarta-feira, 27 de maio de 2020

A Dublagem Segundo a Versão Brasileira de Herbert Richers...

Capa da segunda edição do livro teve várias alterações em relação à publicação original, lançada em 2014...










































































“Versão brasileira, Herbert Richers!!!”... A frase dita pelo dublador Ricardo Marianno no início de filmes e séries exibidas na televisão brasileira, principalmente entre as décadas de 1970 e 1990, é a maneira com que muitos telespectadores conheceram o diretor e produtor de cinema Herbert Richers... Ainda que vários se refiram a ele como “Herbert Richards”, mas enfim... Embora tanha realizado uma enorme produção para cinema, entre cinejornais e filmes de ficção, hoje é mais lembrado por seu estúdio de dublagem, que foi o principal do Rio de Janeiro e o maior do país, mesmo uma década depois de seu fechamento... A frase de Mariano foi usada pelo jornalista Gonçalo Júnior no título da “biografia do produtor de filmes e maior dublador de  TV do país”, lançado em 2014... Que vai além da dublagem e mostra outras facetas da atuação de Herbert Richers, desde quando começou a trabalhar com o tio Alexandre Wulfes, cineasta, produtor, dono de um laboratório para revelação e duplicação de filmes no Rio, e um dos responsáveis pelo “Cine Jornal Brasileiro”, produzido para o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do Estado Novo de Getúlio Vargas, no fim da década de 1930... Trabalhando forte como cinegrafista, iniciou seu próprio cinejornal, “Imagens do Brasil”, e realizou filmagens do Carnaval carioca para Valdisnei, o próprio, que serviriam de base para o filme “Alô Amigos”, onde surgiu o personagem Zé Carioca... Após atuar em vários cinejornais –  “Esporte na Tela”, “Cinelândia” e “Atualidades Atlântida” – fundou sua própria produtora, em 1948, e lançou no ano seguinte o “Repórter da Tela”, para o qual criou um eficiente esquema de distribuição nacional... Ao mesmo tempo, cuidava das filmagens em externa das chanchadas da Atlântida... Então é por isso que ele se associou à Cinedistri de Osvaldo Massaini e começou a produzir filmes em 1955... E os primeiros eram justamente chanchadas que seguiam a fórmula das comédias carnavalescas da Atlântida... Richers também produziu e distribuiu filmes de outros gêneros – “O Assalto ao Trem Pagador”, “Vidas Secas”, “Ganga Zumba”, “Mineirinho Vivo ou Morto” e “Meu Pé de Laranja Lima”, entre outros – todavia, Pancada deixa por um de seus filmes prediletos, “Golias Contra o Homem das Bolinhas”, com Carlos Alberto de Nóbrega e Zilda Cardoso, e pelas duas produções estreladas por Renato Aragão, “Dois na Lona” e “Bonga, O Incrível Vagabundo”... Tudo bem que “Dois na Lona”, com participação de Ted Boy Marino (mesmo fora de cena, uma das mãos por trás da “tesoura” que cortou quadros de “Os Trapalhões” no canal Viva...), é renegado pelo próprio Renato, não a ponto de estar fora de sua filmografia oficial, como é o caso de “A Ilha dos Paqueras”, mas, enfim... As comédias da Herbert Richers reuniam a nata da comédia brasileira nos anos 1950 e 1960... Agildo Ribeiro, Ankito, Carequinha e Fred, Costinha, Golias, Grande Otelo, Otelo Zeloni, Renata Fronzi, Wilson Grey, Zé Trindade, Zezé Macedo, Zilda Cardoso, entre outros... Isso sem contar os roteiros, escritos por Chico Anysio, Manoel de Nobrega e Ségio Porto, e também pelos diretores JB Tanko e Victor Lima... Eis a razão porque o internauta arrumou espaço em seu apartamento – a Casa dos Lunáticos - para colocar um pôster desenhado por Ziraldo do filme “Os Cosmonautas”, escrito e dirigido por Lima e estrelado por Golias e Grande Otelo...  Claro que o trabalho forte de Herbert Richers na dublagem também desperta grande interesse da parte do Pancada... Em especial devido a atuação do centenário Orlando Drummond, que esteve presente em toda a trajetória do estúdio, desde o primeiro trabalho para televisão – a série “Zorro”, em 1959 – até o fechamento da empresa, em 2010... O próprio autor do livro o coloca como uma das figuras mais icônicas dos quadros da Herbert Richers, destacando suas vozes para desenhos animados, ao lado de uma revelação do estúdio, Mônica Rossi... O que não exclui citações a outros nomes memoráveis, como Celso Vaconcelos, Francisco José, Garcia Júnior e seu pai Garcia Neto, Márcio Seixas, Newton da Matta...  Pancada elogia a referência a José Santa Cruz, um rosto conhecido por seus trabalhos em programas humorístivos... O que fez com que sentise falta de uma menção a Francisco Milani, que também era um excelente dublador, vide cacos com a voz do detetive Magnum feitos pelo personagem Pedro Pedreira na “Escolinha do Professor Raimundo”... Onde estava matriculado Ptolomeu, vivido pelo filho de Chico Anysio, Nizo Neto, que também fazia algumas demonstrações de seu ofício de dublador – hoje em dia Nizo costuma dizer que assiste a vários filmes onde é o último remanescente da equipe de dublagem... E quando se fala em “Escolinha” é obrigatória a citação a Drummond, o Seu Peru, que frequentemente reagia às piadas de seus colegas com a risada do Scooby-Doo...  


























Na primeira edição, havia até uma foto do Chaves, cuja série clássica não foi dublada pela Herbert Richers, muito pelo contário...






























































A produção de cinejornais levou Herbert Richers a criar um esquema de distribuição nacional do “Repórter da Tela”... Devidamente aproveitado quando o produtor decidiu produzir filmes de ficção, em 1955 – o primeiro lançamento, em 1956, seria “Sai de Baixo”, sem alusões aos presentes, uma comédia no estilo das chanchadas da época, dirigida por JB Tanko e estrelada pelos palhaços Carequinha e Fred... No começo de 1959, Richers compareceu nos Estados Unidos e encontrou-se com seu conhecido Valdisnei, com a ideia de conseguir a distribuição de seus filmes no Brasil... Valdisnei, por sua vez, mais interessado no emergente ramo da produção para televisão, questionou se as produções estrangeiras eram dubladas para televisão, como acontecia no México, e convenceu o produtor a dublar suas séries para exibição nas emissoras brasileiras... Conforme relata o autor da biografia, Herbert acreditou na defesa que o cineasta estadunidense fazia da dublagem... Pois seu foco era o público infantil, em muitos casos, pequeno demais para saber ler as legendas no cinema e também na televisão, que tinha a agravante da qualidade de imagem dos aparelhos de então dificultarem a leitura... Então é por isso que os desenhos animados em longa-metragem de Valdisnei sempre estrearam nos cinemas do Brasil dublados em português, desde o primeiro, “Branca de Neve e os  Sete Anões”, lançando em 1939 com dublagem do estúdio CineLab, sediado na região de São Cristóvão... Richers possuía conhecimento técnico sobre dublagem – as filmagens em externa, comuns no cinema brasileiro na ocasião, eram realizadas sem captação de som, o que obrigava os atores a gravarem os diálogos posteriormente – e aceitou a proposta, recebendo um treinamento de uma semana, orientação para compra de equipamentos e rolos de filme com os episódios da série “As Aventuras do Zorro”, que estreou na rede ABC em 1957... Mesmo ano em que a TV Tupi de São Paulo exibiu o primeiro programa dublado na história da televisão brasileira, o teleteatro “Ford na TV”...  Só que a finalização da versão brasileira aconteceu no México, esquema que Valdisnei havia adotado para sua produção destinada às salas de cinema... Para fazer a dublagem da série do Zorro, Herbert chamou atores radiofônicos – um deles, Orlando Drummond, que ficou com a voz do Sargento Garcia, já havia participado de algumas dublagens de desenhos de Valdisnei na década de 1950... A exibição seria garantida por uma conversa do produtor com João Calmon, diretor da TV Tupi do Rio... O campo de trabalho expandiu-se rapidamente no início dos anos 1960 graças à legislação – leis que determinavam a dublagem na televisão, assinadas pelo presidente Jânio Quadros em 1961 e pelo primeiro-ministro Tancredo Neves em 1962  - e o aumento das horas de transmissão das emissoras, preenchidas de forma mais econômica para seus donos com os famosos “enlatados” estrangeiros... Em junho de 1963, o estúdio de dublagem, que ficava no Edifício Astória, na Rua Senador Dantas, região central do Rio, é destruído por um incêndio... Richers transferiu a empresa para os antigos estúdios da Brasil Vita Filmes, na Rua Conde de Bonfim, 1.331, na Usina, a meio caminho entre as regiões da Tijuca e do Alto da Boa Vista... O local, alugado desde 1959 para a produção de filmes, foi adquirido em 1964, e depois de uma reforma, começou a funcionar a todo vapor em 1965... Mesmo ano em que a TV Globo entrou no ar no Rio de Janeiro, no dia 26 de abril... Antes da emissora ser inaugurada, Herbert propôs ao dono,o jornalista Roberto Marinho, com quem costumava praticar pesca submarina, a produção de uma série policial em película de cinema para ser apresentada no canal... Surgiu então “22-2000 Cidade Aberta” protagonizada por um repórter policial de “O Globo” (óbvio...), interpretado por Jardel Filho, cujo primeiro episódio foi ao ar no segundo dia de existência da Globo, em 27 de abril de 1965... A série, que teve 49 episódios de meia hora cada, manteve-se no ar até agosto de 1966, quando acabou o patrocínio que viabilizava a produção – em 1969, 12 episódios foram compilados em quatro filmes, lançados nos cinemas... Em 1967, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, pai do Bofinho, assume a direção da TV Globo, e torna Herbert Richers, que conhecia da época em que trabalhava em publicidade, o fornecedor preferencial de dublagens para a emissora – e que levou a empresa a produzir cerca de 60% de todo material dublado no Brasil já em 1973, assinala o livro... Orlando Drummond estava lá, trabalhando forte nas vozes dos personagens caninos dos desenhos da Hanna-Barbera – Scooby-Doo, Hong Kong Fu, Kojeka, Bionicão – e de outros estúdios – Yukk, o parceiro do Mini-Polegar, produção da Ruby-Spears... Da mesma forma, compareceria em séries “live-action”, vide mordomo Max em “Casal 20” e o alienígena Alf... O jovem Márcio Seixas fez um teste com mais 300 candidatos para ser dublador na Herbert Richers em 1974... Aprovado, um de seus primeiros trabalhos seria a dublagem de um super-herói da Hanna-Barbera, o Homem-Pássaro... Cujo bordão era seu próprio nome, gritado em alto e bom som... Em 4 de junho de 1976, um incêndio destruiu os estúdios da Globo na região do Jardim Botânico... Herbert Richers ofereceu suas instalações para cinema – momento em  que a produtora deixou de fazer filmes – para a emissora gravar suas novelas, e a Globo alugou o local, rebatizado como Globo Tijuca, até 1995, quando inaugurou o Projac (hoje Estúdios Globo...), na região de Curicica... Em 1º de fevereiro de 1978 começa uma longa greve de dubladores, liderada pelo ator Jorgeh Ramos – o próprio, vide “trailers” de filmes – que conseguiu a regulamentação da profissão e o fim dos contratos de exclusividade com as empresas de dublagem... O que não abalou a posição de Richers no mercado, mantendo seus 60% de participação, como reportou a Gonçalo numa entrevista em 1999... No entanto, para um grupo de 20% dos dubladores, demitidos por liderarem o movimento ou que não voltaram ao trabalho, insatisfeitos com o acordo que encerrou a greve, restou organizar-se em cooperativas, no caso de São Paulo, a COM-ARTE... Que seria fundamental para as dublagens realizadas nos estúdios do recém-criado SBT, por meio da MAGA e da Elenco... E se tornariam uma dor de cabeça para Herbert Richers na década de 1980, inclusive quando Silvio Santos tentou entrar no nascente mercado de fitas de vídeo... 





















Instalações para dublagem na Rua Conde Bonfim viraram referência até para as linhas de ônibus que servem a região da Usina...

















































































A capa da primeira edição do livro, lançada em 2014, tinha uma foto do Chaves... Cuja série clássica, assim como “Chapolin”, nunca foi dublada pela Herbert Richers... Que atuou apenas em “Chaves Animado”, que estreou no SBT em 2007, e alguns esquetes de “Chaves” no programa “Chespirito” (“Clube do Chaves”), dublados na época em que os quadros eram exibidos de madrugada pela emissora, entre 2006 e 2008, mas que nunca foram ao ar... Ao contrário, o próprio Richers detestava a dublagem feita pelo SBT para as novelas mexicanas... Numa entrevista concedida a Gonçalo para a “Gazeta Mercantil”, o produtor disse que as tramas importadas só começaram a fazer sucesso de fato quando seu estúdio começou a dublá-las...  Ou como Herbert disse em outubro de 2007, segundo o livro... “Chegaram a montar um estúdio de dublagem, mas depois viram que não era o negócio deles, tinham dificuldades para fazê-lo funcionar e voltaram a trabalhar com a gente... Quando começaram a fazer nos próprios estúdios da TVS, a qualidade da dublagem realmente despencou... Eles voltaram para nós porque construímos um know-how que não conseguiram estabelecer... A dublagem de novelas mexicanas, por incrível que pareça, é muito mais difícil porque o idoima espanhol é muito juntinho, muito próximo do português, fato que exige de nós um cuidado muito grande de sincronia... Senão, anarquiza, dá errado ou fica falso”... A afirmação desconsidera todos os conseguidos pelas dublagens do SBT, comandadas por José Salathiel Lage, principalmente quanto à dublagem em videoteipe, e o trabalho forte, dos dubladores reunidos pela MAGA de Marcelo Gastaldi e a Elenco de Felipe Di Nardo... Justiça seja feita, Seixas, um dos dubladores mais atuantes da Herbert Richers, considerou “Chaves” um dos mais perfeitos exemplos de dublagem no Brasil, elogiando a dinâmica de Gastaldi , Nelson Machado, Sandra Mara e Cecília Lemes, as vozes de Chaves, Quico e Chiquinha...  Alis, nenhum deles atuou no desenho... Gastaldi rendeu 50 pontos no Bolão Pé-na-Cova em 1995, Nelson Machado foi substituído por Sérgio Stern e Chiquinha não foi incluída na série animada... Até um crítico que reconhecidamente não gosta de “Chaves”, como Maurício Stycer, da UOL, aponta no livro “Topa Tudo por Dinheiro“, de 2018, que o êxito da série foi amplificado “pelos excelentes dubladores que trabalharam na adaptação”... Na edição de 2016 do livro, a imagem de Chaves foi trocada pela do Agente 86... Que por sua vez ficava ao lado de uma foto de “Perdidos no Espaço”, dublada pela AIC em São Paulo... Substituída por uma ilustração de “Chaves Animado”...  Cuja lacuna foi preenchida com uma cena do desenho “X-Men”... O livro mostra que em 2008, a Herbert Richers produzia 150 horas de dublagem para televisão por mês...  Metade da produção do estúdio correspondia às novelas estrangeiras – um capítulo a cada dois dias - o que fazia do SBT o principal cliente da empresa... Mesmo com o pedido de Silvio Santos para não incluir a famosa narração “Versão brasileira Herbert Richers”, com a intenção de fazer o público pensar que se tratassem de produções nacionais... Focado na trajetória pessoal de Richers, que saiu de cena em 20 de novembro de 2009, o livro não chega a abordar os fatores que levaram ao fechamento do estúdio, acontecido em 2010... Registra que a concorrência aumentou na primeira década deste século – com 40 empresas atuando no setor – porém também mostra  que a Herbert Richers ainda era responsável por 50% de tudo o que era dublado para televisão no período...  A empresa contava com 400 funcionários, sendo 250 contratados e 150 prestadores de serviços eventuais... Em várias entrevistas, o filho do produtor, o ator Herbert Richers Júnior, apontou que o faturamento nos últimos anos não conseguia fazer frente às despesas com um quadro tão grande de empregados... Uma das razões desse gigantismo seria outra das exigências de Silvio Santos, que queria uma variação maior das vozes usadas na dublagem... A maneira mais viável de atender essa solicitação era manter um grande número de dubladores sob contrato, o que não era usual desde a greve de 1978, elevando os custos e derrubando a rentabilidade do negócio...  Além disso, um acordo coletivo de trabalho firmado em 2003 diminuiu de dois meses para uma semana o prazo de espera para realização de trabalhos de dublagem em outros estúdios, o que favoreceu a criação de novas empresas... Acirrando a concorrência justamente no momento em que o mercado estava em expansão com o “boom” dos DVDs entre a “nova classe média”, que também gerava demanda entre os canais pagos, principalmente os destinados ao público infantil...  A Herbert Richers fechou em 2010 e parte das instalações foram destruídas por um incêndio em 3 de novembro de 2012, pouco depois do estúdio ter sido leiloado e vendido a um grupo de empresários por R$ 1,7 milhões, valor usado para o pagamento de dívidas trabalhistas...  Em 2013, a Sukyo Mahikari do Brasil comprou a área por R$ 8 milhões, e o acervo existente no local foi doado à Universidade Federal Fluminense e à cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio em abril de 2015... No ano seguinte, Márcio Seixas visitou as ruínas do estúdio e postou um vídeo nas redes sociais... Que levou a um convite da própria Sukyo Mahikari para o dublador participar da cerimônia de limpeza espiritual do terreno, antes do início da construção de um novo prédio... O que pos fim ao sonho de Pancada de trabalhar forte em dublagem num endereço tão perto de casa que poderia comparecer a pé... Ops!!!...






















Estúdio cinematográfico de Herbert produziu um dos filmes preferidos do Pancada, "Os Cosmonautas", com Ronald Golias...


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