quarta-feira, 21 de agosto de 2019

CHBR3.5(II): A Primeira Vez de Chaves e Quico Contra Kiko...

Quando Rubén Aguirre deixou o programa "Chespirito" em 1971, quadro "Los Chifladitos", onde fazia Lucas Tañeda, saiu do ar...


























































A primeira exibição de “Chaves” no Brasil aconteceu em 24 de agosto de 1984, uma sexta-feira, no programa “TV POWWW”, apresentado no SBT pelo radialista Paulo Barboza... A data já era conhecida, uma vez que a emissora sempre a utilizou como marco inicial da apresentação das séries de Roberto Gómez Bolaños, o Chespirito, no Brasil... No entanto, a dúvida sobre o programa onde aconteceu a estreia só foi esclarecida na UOL e no livro “Almanaque do SBT 35 Anos” em 2017, quando também se descobriu que “Chapolin” estreou primeiro no SBT... O episódio inicial, “O Caçador de Lagartixas”, produzido pela Televisa no México em 1976, fazia parte de um lote de 85 episódios com versão MAGA dublados no estúdio da TVS, canal 4 de São Paulo...  Quando Silvio Santos iniciou as transmissões do SBT, em 1981, a emissora possuía um estúdio de dublagem... Que nas palavras de seu diretor, José Salathiel Lage, se destacava pela primazia de ter desenvolvido a expertise necessária para dublagem em videoteipe... Utilizada principalmente para dublar séries e desenhos animados estadunidenses, novelas latino-americanas  e, como dizia Salathiel Lage, “comédia em videoteipe”... É nesse ponto que Chespirito entra na história... “Chaves” e “Chapolin” eram o produto de entrada das vendas internacionais da Televisa... Depois deles vinham as novelas, que eram a prioridade para Silvio Santos... Mais produções importadas significariam mais trabalho para o setor de dublagem e para as empresas que reuniam os dubladores, no caso do SBT a Elenco e a MAGA, comandada pelo dublador Marcelo Gastaldi, que se tornaria a voz do Chaves e do Chapolin... Então é por isso que Salathiel Lage deu uma forcinha ao “feeling” de Silvio e conseguiu que as séries fossem dubladas... A começar por alguns episódios à título de teste, vide Gastaldi tentando falar fino como Chespirito e Nélson Machado fazendo o Quico com voz rouca em “O Caçador de Lagartixas”... No México, “Chaves” começou no programa “Chespirito”, da Televisión Independiente de Mexico  (TV TIM) em 1971 - o “History Channel” acreditou que foi em 20 de junho, mas essa informação já foi desmentida por pesquisadores... Ele substituiu o quadro “Los Chifladitos” (no Brasil, “Pancada”, sem alusões aos presentes...), que teve solução de continuidade devido a saída de Rubén Aguirre para a concorrente da TV TIM, o Tele-Sistema Mexicano... Mas a origem da série – bem como da entrada de Carlos Villagrán, as divergências que levaram à sua saída do elenco e a disputa pelos direitos do personagem Quico  – é descrita com mais propriedade por Chespirito em seu livro de memórias, “Sin Querer Queriendo”:

“Rubén regressaria pouco tempo depois, entretanto sua ausência representava a adversidade do momento, já que o personagem que representava (Lucas Tañeda) era insubstituível por múltiplas razões; a principal era o fato que o público se acostumara a uma imagem e seria muito difícil aceitar outra em substituição àquela. A situação, portanto, não se resolvia com a substituição do ator, mas sim com a substituição do esquete. Quer dizer: tirar Los Chifladitos do programa e por em seu lugar algo diferente. Porém, o qual seria esse "algo diferente"?  

Porque passei dois ou três dias (e as respectivas noites) tentando encontrar a resposta, porém esta não chegava. Então, agoniado pela falta de tempo, decidi sair do passo por uma semana, escrevendo um dos esquetes que chamava de "soltos", em razão de não terem continuidade temática e temporal. Para isso, utilizei material que havia sobrado de outro esquete solto que havia feito algumas semanas atrás, o qual se referia a um menino pobre que andava por um parque público e tinha uma breve discussão com um vendedor de balões. O menino foi interpretado por mim e o vendedor de balões por Ramón Valdés. 


O resultado não só foi aceitável como também voltou a me sobrar material. E conforme escrevia, repetia a receita: usava sobras de material para escrever algo semelhante. Desta vez o resultado foi mais do que aceitável e não demoraram para aparecer os comentários favoráveis.  Até que um par de semanas depois batizei o personagem com um nome que haveria de ser conhecido em muitas partes do mundo, rivalizando em popularidade com o Chapolin Colorado (inclusive, em mais de um aspecto, superando-o): o Chaves [em espanhol, El Chavo, "menino pequeno"...]


Jamais pretendi que o público pensasse que eu era uma criança. A única coisa que buscava era que aceitassem que eu era um adulto interpretando um papel infantil. Isto não era simples, já que as características do personagem se diferenciavam substancialmente das que distinguiam a aqueles que haviam feito algo semelhante. Porque todos (ou ao menos quase todos), eram variantes diversas do clássico Pepito, cuja graça reside precisamente no fato de que é uma criança, mas que atua com a picardia própria do adulto, enquanto o Chaves era o melhor exemplo da inocência e da ingenuidade típicas de uma criança. 


É muito provável que essa característica tenha sido a que gerou o grande carinho que o público sentiu pelo Chaves; carinho que não só se refletia nos aplausos, sorrisos e comentários de toda gente, pois a tudo isso é preciso acrescentar as centenas de pessoas (crianças e adultos) que deixavam no cenário um sanduíche de presunto, um par de sapatos, brinquedos, etc; ao mesmo tempo em que repetiam cotidianamente as expressões usadas nos programas, como: Fue sin querer queriendo! (Foi sem querer querendo), Se me Chispotió (É que me escapuliu...), Bueno, pero no te enojes (Tá bom, mas não se irrite!), Eso eso eso! (Isso, isso, isso!), Tenia que ser El Chavo del Ocho! (Tinha que ser o Chaves)...  (Páginas 211 a 213)”. 


























Para substituir "Los Chifladitos". Chespirito criou "El Chavo" a partir de esquete onde menino discutia com vendedor de balões...


























































"Carlos Villagrán fazia pequenos papéis em um programa animado por Rubén Aguirre, porém ainda não tivera a oportunidade de vê-lo. Sem dúvida, o conheci em uma festa particular na casa de Ruben, onde ele e Carlos apresentaram um esquete em que faziam os papéis de um ventríloquo e seu boneco, que me fez rir até não mais poder. Carlos, no papel do boneco chamado Pirolo, falava com as bochechas infladas, o que dava um aspecto absolutamente caricatural que favorecia amplamente a comicidade do número. 

Isso me fez recordar uma das causas do riso destacadas por Henri Bergson em seu excelente estudo: 'São causadores freqüentes do riso' - disse o eminente filósofo e literato - 'a humanização do mecânico e a mecanização do humano'. Era o que estava fazendo Pirolo (sem saber): aplicar a última parte do conceito de Bergson, a mecanização do humano. Tanto que Bergson inclui precisamente um exemplo como este quando expõe seu raciocínio: 'Os movimentos mecanizados de uma pessoa nos fazem rir enquanto nos fazem recordar a rigidez de um mecanismo ou a produção em série de títeres, bonecos, etc'.

Então me fiz uma pergunta: como funcionaria um menino com essas características como oponente do Chaves? Ao dizer oponente me refiro ao fato de que tal menino seria rico (em comparação com o Chaves), caprichoso, mimado, etc... Minha resposta foi o desenho completo do personagem, ao qual pus o nome de Federrico (Fede"rico"), mas que seria chamado pelo carinhoso apelido de Quico. Sua presença na vizinhança requeria a presença de um familiar adulto, o que me levou a desenhar o personagem de uma mãe que justificava todo as características do menino, então imediatamente pensei em Florinda. 

Ela não se importou com o personagem levar seu próprio nome, o qual me parecia adequado se precedido do clássico "Dona", que representava certo nível social. E rapidamente se fizeram famosos os bordões de ambos os personagens: Vamonos Quico, no te juntes com esa chusma! (Vamos Quico, não se misture com essa gentalha), Chusma, Chusma! (Gentalha, gentalha!), Callate, callate, callate que me desesperas! (Cale-se, cale-se, cale-se, que você me deixa louco!)  (páginas 219 a 221)  (...)

Um dia, no final de 1977, Carlos Villagran me disse que queria tratar algo importante (...) 

- Eu pensei muito - me disse - e cheguei a conclusão de que já é tempo de encabeçar meu próprio espetáculo, para isso, necessito me separar do grupo. 

A decisão era esperada, pois as últimas viagens ao exterior, sobretudo no Chile e na Venezuela, lhe fizeram provar de maneira substanciosa as delícias da fama. É verdade que os méritos correspondiam ao trabalho realizado em conjunto, porém mais de um espectador havia acariciado seu ego dizendo-lhe que era a pedra angular do edifício, de modo que sua decisão era irrevogável. De qualquer maneira, eu pensei que estava tomado pelo desejo de superação pessoal que todas as pessoas têm, de modo que aceitei a proposta desejando a melhor sorte. 

- Porém eu queria continuar atuando como Quico - acrescentou - ou seja, falando com as bochechas infladas e tudo mais. De modo que gostaria de contar com sua autorização para fazê-lo. 
- Conta com ela - respondi. 

Carlos não só fez os agradecimentos mais sinceros pelas oportunidades que eu havia lhe dado, mas também pediu alguns conselhos que considerava importantes. 

- Vou dar um só - lhe disse - Quico é um personagem que pode te dar grandes satisfações e o sucesso correspondente, mas não se limite a ele. Falar com as bochechas inchadas é muito gracioso, mas o excesso pode ser altamente embaraçoso. Portanto, combine o Quico com outros personagens que você mesmo pode criar. 
- Assim o farei - me disse com entusiasmo - Muito obrigado! 

Um caloroso abraço colocou ponto final no encontro. 

Porém, acredito que Carlos não seguiu meu conselho, digamos, ao pé da letra (Páginas 275 e 276)”.





















Nos primeiros episódios de "El Chavo del Ocho", intérprete de Quico era identificado com nome de seu primeiro personagem...


























































“Emílio Azcarraga [dono da Televisa] me chamou em seu escritório e disse: 

- Carlos Villagran veio me ver e se ofereceu para realizar uma série de televisão interpretando o personagem Quico e eu acredito que pode ser um acerto. Porém, todos sabemos que o criador do personagem é você. 
- Certamente - respondi. 
- Pois então diga se vai dar autorização para ele fazer o programa, e sob quais condições. Por exemplo: quanto cobraria por essa permissão?... 
- Não - esclareci - não me interessa cobrar por isso. A única condição que eu colocaria é que devem aparecer nos programas um testemunho de agradecimento pela autorização, o que ao mesmo tempo seria o reconhecimento da minha autoria. Algo assim como: "Agradecemos a Roberto Gómez Bolaños por sua autorização para o uso do personagem Quico, que é de sua criação". 
- Entendo - me disse Emílio - você teme que alguém possa dizer depois que é o criador do personagem. 
- Exatamente. Eu tenho todos os registros que provam isso, mas não faltam espertalhões que nos façam mal. 
- Eu sei, porém, em primeiro lugar, a Televisa é um testemunho a seu favor, igual aos próprios programas. E de qualquer modo, não há problema: tudo será feito como pediu. 

Dias depois, porém, quando Emílio estava fora do México, recebi uma chamada de Othon Valdez, seu braço-direito. Ele pediu para que eu fosse em seu escritório e assim o fiz. 

- Falei com Carlos Villagran - me disse - e ele não aceitou sua condição. 
- Ao que se refere? 
- A condição colocada para permitir que seja feita a série do Quico: assinalar que você é o criador do personagem. 
- Mas é o que eu sou! - protestei. 
- Todo mundo sabe, mas ele diz que é o criador, já que o interpretou nos programas. 
- Seria algo assim como afirmar que o criador de Hamlet não é Shakespeare, mas sim Laurence Olivier ou Richard Burton. 
- Digamos que seja por aí. 
- Pois nesse caso não dou autorização para que se faça esse programa. 
- Tomei a liberdade de antecipar essa resposta - disse Othon com o sorriso que o caracterizava. Mas fui um pouco mais explícito: entrei em contato com ele e disse que fosse para... Bom, para onde ele quisesse, menos para a Televisa. 

Depois disso, pensei que que Carlos se arrependeria de ter agido assim, que pediria desculpas e buscaria novamente a oportunidade de levar a cabo seu projeto, para o qual estaria desta vez disposto a aceitar a condição que eu estipulara anteriormente: o reconhecimento da minha paternidade sobre o personagem Quico. Mas longe de ocorrer isso, Carlos me processou, alegando ser ele o criador do personagem. 

Então recorri a Sociedade Geral de Escritores do México (SOGEM), organização que me deu razão e colocou imediatamente em minha defesa o advogado Magallon, excelente profissional que rapidamente obteve decisão favorável a mim no julgamento.

- A verdade - me disse o advogado - é que as provas eram extremamente favoráveis a você. Entre elas, por exemplo, o testemunho escrito e assinado pelo próprio senhor Villagrán. 

Se referia a um documento que me haviam solicitado alguns anos antes alguns empresários peruanos, que fariam um contrato de licenciamento, tendo meu irmão Horácio como nosso representante. Nessa ocasião, os peruanos lhe disseram: 

- Precisamos de um documento certificando que o Senhor Roberto Gómez Bolaños é o criador dos personagens que aparecem no programa, principalmente os que acompanham o Chaves e que os criadores não são os atores que os interpretam. 
- Será suficiente um testemunho escrito dos atores? 
- Mais que suficiente! 

Então Horácio explicou isso aos companheiros de elenco e redigiu uma declaração a qual davam testemunho e pediu aos atores que assinassem, o que fizeram todos (absolutamente todos) os atores. Ou seja: Florinda Meza, María Antonieta de Las Nieves, Angelines Fernández, Ramón Valdés, Rubén Aguirre, Edgar Vivar, o próprio Horacio Gómez e Carlos Villagrán (Raul Padilla ainda não fazia parte do grupo). 

Logo, durante os depoimentos do processo, Carlos disse que foi obrigado a assinar tal documento porque foi ameaçado com a retenção de seu salário. O argumento, certamente concebido por seus advogados, era totalmente ingênuo, já que era a Televisa e não eu quem pagava tais salários (e a empresa nunca os atrasou). Por outro lado, havia o testemunho dos demais atores. Concluindo: a decisão foi totalmente favorável a mim. 

- Agora - disseram depois os advogados da SOGEM - você pode fazer duas coisas: processá-lo e impedir que trabalhe em qualquer país usando o personagem de sua criação. 
- Não - respondi - não farei nada. 
- Por que? 
- Olha - expliquei - se te roubam um carro, você vai à delegacia e denuncia o roubo. Não é assim? 
- Certo. 
- Mas você faria o mesmo se roubassem o espelho lateral do carro? 
- Bom... Claro que não... 
- Pois foi mais ou menos que se passou comigo: roubaram um dos espelhos laterais do meu carro. Porém, se esse espelho o ajuda a comer três vezes por dia... Faça bom proveito. 

Não somente o ajudou a comer três vezes por dia, mas lhe deu, ademais, recursos para comprar casas em Caracas, Distrito Federal e Cuernavaca, vários automóveis último tipo, ouro, jóias e algumas coisas mais (Páginas 288 a 292)”.






















Após sair da Televisa em 1978, personagem teve nome mudado para "K-I-K-O" para contornar disputa de direitos com Chespirito...

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