quarta-feira, 3 de junho de 2020

O Mais Brasileiro dos Manuais de Valdisnei...

Ao contrário de outros Manuais Disney, o do Zé Carioca teve várias reedições, mudando inclusive de nome...













































(Publicado originalmente em 28 de maio de 2018...) A Editora Abril lançou a partir do início da década de 1970 os Manuais Valdisnei, publicações que fizeram grande sucesso entre a garotada amiga da época...  Nos últimos anos, os títulos mais representativos da série vêm sendo relançados em edições fac-similares... Assim, retornaram às bancas o “Manual do Escoteiro Mirim”, o “Manual do Professor Pardal”, “Manual do Peninha”, entre outros... No entanto, faltava a republicação daquele título que mais contribuiu para a formação cultural da infância e da juventude brasileira de quatro décadas atrás... O Manual do Zé Carioca!!!... Publicado por ocasião da Copa do Mundo de 1974 - o livro ganhou uma nova edição, reproduzindo na íntegra o texto original, com o indispensável acréscimo de um anexo trazendo os fatos mais relevantes acontecidos nos Mundiais desde a competição realizada na Alemanha “Occipital”... O seu criador é Cláudio de Souza, o “Homem-Abril” e o texto de  Alberto Maduar – ilustrado por Jorge Kato e Carlos Edgard Guerrero – teve  pesquisa e consultoria de ninguém menos que o Mestre Cláudio Carsughi, o próprio...  O “Suplemento Especial Atualização 2018” foi pesquisado e escrito por Celso Unzelte, um incansável pesquisador da história do futebol, e ilustrado por Luis Podavin... Não podemos esquecer que até 1994 o livro costumava ser relançado sempre às vésperas de um novo Mundial, com outros nomes (“Manual da Copa do Mundo”, “Gol”...) e novos textos... A edição de 1982, por exemplo, teve a consultoria de outro Mestre do jornalismo esportivo, Carlos Maranhão...  Foi a partir dessas reedições que o nosso internauta-mor pode cunhar a frase... “Futebol para nós é teoria”...  A figura principal da obra, como se pode perceber, é o Zé Carioca, o papagaio que Walt Disney criou em 1942, inspirado em um músico, falante e piadista, que conheceu quando compareceu ao Brasil com sua equipe, dentro da “Política de Boa Vizinhança” dos Estados Unidos para conseguir apoio político e recursos naturais de modo a conseguir vencer a Segunda Guerra Mundial... “Quem conhece o Zé Carioca sabe que ele tem três grandes alegrias na vida: Rosinha, o carnaval e o futebol... Sempre que não está fugindo dos seus credores, ou namorando a Rosinha, ou sambando na escola de samba, o grande divertimento do Zé é o futebol... Pode ser uma ‘pelada’ na praia, um tira-teima num campinho de subúrbio , futebol de salão, futebol com bola de meia na calçada, pode até ser futebol de botão... Em matéria de futebol, o Zé topa qualquer parada... E não escolhe posição... Goleiro, beque, meio-campo, técnico, gandula e até juiz... Por amor ao futebol, o Zé aceita até ser chamado de ladrão!!!”, relata o texto “Zé Carioca e a alegria do povo”, no começo do livro... Em seguida, menciona a lista de times que ele e seu grande amigo Nestor fundaram e “afundaram”, a começar pelo célebre Brejeiros da Tijuca... Em “Táticas e mais táticas”, Zé demonstra ser um grande entendido... Em estratégias de jogo... Assim os pequenos leitores puderam saber que a Seleção Brasileira campeã do mundo em 1958 popularizou o 424, muito antes de Fábio Carille adotar o esquema por falta de bons atacantes de área no Timão... Ou que o 442 é uma “formação de acentuado cunho defensivo, de times que jogam fechados na defesa”... Isso antes de se tornarem populares os esquemas com três zagueiros e cinco – ou seis – meio-campistas... Entretanto, quando Zé foi nomeado técnico do Brejeiros da Tijuca, sua carreira terminou no exato momento em que ele perguntou ao time se havia entendido sua primeira preleção – em que enfatizava o uso do 424, variando para o 523, depois para o 443, 334 e por fim um 622 -  e todos os jogadores, titulares e reservas, levantaram as mãos dizendo que não... “Claro, técnico que não se comunica com os jogadores tinha que se estrumbicar”... Se tivesse dado uma olhada ali no manual, não daria tanto vexame... Pois saberia que Dori Kruschner introduziu o esquema WM no Brasil quando treinou o Menguinho em 1937... Ou que Caetano De Domenico, dirigindo o Nacional da região da Barra Funda, foi um pioneiro do defensivismo com sua “cerradinha”... Ou ainda entraria em contato com a sabedoria de Gentil Cardoso... “Quem se desloca, recebe... Quem pede a bola, tem preferência”...
















Como futebolista, Zé Carioca teve o azar de enfrentar uma equipe que por sorte tinha Gastão no gol...













































Outras peripécias de José Carioca no mundo do futebol aconteceram como “penetra”, tentando assistir sem pagar, no estádio do Balangandã, a final entre Moringa  e Paineiras... Depois de tentar em todos os portões sem sucesso, partiu para a carteirada e conseguiu entrar – o porteiro era seu amigo Nestor – embora com o estádio lotado só tenha conseguido um lugar na geral no final da partida... Em outro jogo, com seu time de coração, o Curinga, em campo, Zé cornetou tanto a equipe, o Timão da época com nomes truncados  – “Anda, Buldogue!!!...  Vamos lá, minha gente!!!... Não foi nada não, seu juiz!!!... Deixa o jogo correr!!!... Dá-lhe, Dribelino!!!... Passa, Paulo Bagres!!!... Vai, Antãozinho!!!... Dá de cabeça pro Gaguinho!!!... Vai nessa, Gaguinho, chuta logo!!!” – que foi deixado sozinho pela própria torcida organizada do clube e acabou comemorando um gol em meio aos torcedores do adversário... Como olheiro do Fluminengo, encarregado de espionar o Papa-Fogo, conseguiu ser perseguido pelos torcedores de ambas as duas equipes... Situação idêntica enfrentou quando apitou um jogo entre o Pé-no-Ouvido F.C. e o Cangaceiros da Boca do Mato e depois de marcar um pênalti, foi posto para correr pelos jogadores...  Na outra ponta, gritou tantos impropérios para o juiz da partida do Brejeiros da Tijuca contra os Desalmados de Vila Ema que ficou sem voz para gritar quando foi roubado por um ladrão de verdade... Jogando com o Vai Levando F.C. um amistoso em Patópolis, teve o azar de deparar com Gastão, o primo do Pato Donald, no gol... Que teve a sorte da bola ter sido atingida por um rojão quando Zé tinha driblado ele e tocado para o gol vazio... Quando atuou como goleiro, não teve o mesmo êxito, e depois de levar cinco gols numa partida, recebeu de presente um engradado cheio de frangos...  O fato é que ele não conseguiu ganhar na Loteria Esportiva nem no filme dirigido por Nestor... Que não convencido de sua performance como milionário, o colocou no papel de mordomo... Mesmo quando acabou com o jogo do Brejeiros da Tijuca com o Marimbondos F.C, uma goleada por 12 a 0, era tudo uma farsa para impressionar sua “sócia” Rosinha – o time rival facilitou o jogo diante da promessa de ingressos para o ensaio da Mangueira... E pensar que quando era pequeno, seu avô o via jogar e o comparava a Friedenreich... Em seguida, descobre-se que Gerson é um dos jogadores preferidos do Zé Carioca, pois sua biografia menciona que tinha como apelido “Papagaio” – vide trabalho forte de comentarista, já na ocasião... O texto sobre Gérson está na mesma página da biografia de Garrincha... E na página seguinte, surge a revelação de que Zé também foi um dos “Joões” de Mané – de tantos dribles que levou ao tentar marca-lo, acabou rebatizado como “João Carioca”... Melhor sorte a nossa ave falante tem na tarefa de introduzir os leitores nas regras e nas histórias do futebol... Exceto talvez na parte em que Nilton Santos é citado na biografia do inglês Stanley Matthews... “Ao ver aquele velhinho com a camisa 7, comecei a rir... Só depois é que vi que estava diante de um dos maiores pontas do mundo”... Joanna de Assis que o diga, pois ao mencionar essa frase numa entrevista com Nilton, publicada por “Placar” em 2004, acabou levando uma bronca enciclopédica do defensor conhecido como “A Enciclopédia do Futebol”... Algumas partes do manual foram superadas pelo tempo... Por exemplo, “Distintivos e uniformes dos principais clubes brasileiros” – que reunia os participantes do Campeonato Brasileiro de 1973 – todos os 40!!!... Lá está o Timão chamado de “Coríntians”, sem “H” e com acento, uma grafia que perdurou até Vicente Matheus implorar que escrevessem “Corinthians” – e Menguinho, Fluzinho, Foguinho, Bacalhau, Ameriquinha e Olaria ainda no Estado da Guanabara, que se fundiria ao Rio de Janeiro em 1975... O Comercial de Campo Grande ainda era do Mato Grosso, pois o Mato Grosso do Sul foi desmembrado apenas em 1979... E o representante do Distrito Federal, o CEUB, encerrou suas atividades em 1976... Em tempo de ser o time de coração da cantora Syang, digo... Era uma época em que o Maracanã não estava à venda, para a decepção do Tio Patinhas, e precisar a capacidade dos estádios era difícil devido aos lugares não numerados... Ainda assim, impressionado com a renda da final da Taça Independência de 1972 – 2.528.885 cruzeiros – o pato mais rico do mundo sonhava em construir o Patão, um estádio maior que o Maracanã... Que na ocasião era o maior do Brasil, com capacidade para 200.000 espectadores... Os estádios Lênin e Kirov – que para a Copa deste ano serão mais conhecidos como Lujniki e Krestovsky – comportavam 100 mil pessoas... Mesma lotação máxima do estádio Lamenha Filho, em Maceió, mais conhecido como Rei Edson (OG)... Por falar em valores astronômicos, o preço pago pelo Barcelona para tirar Johan Cruyff do Ajax equivalia a 7.500.000 cruzeiros... Pouco mais que o dobro dos 3.500.000 cruzeiros que o Bacalhau pagou por Tostão – que um ano depois de contratado junto às Marias, teve de abandonar o futebol devido ao descolamento de retina decorrente de uma bolada... O livro também descreve jogadas como a bicicleta, a folha-seca, gol de pé descalço, gol do meio da rua, gol espírita – e também a “ajeitadinha”, a cera e a catimba -  figuras como o cambista, o gandula, o “pombo-correio”, os olheiros, os empresários – aqui divididos entre os que agenciavam jogos e os que negociavam jogadores ... Também há espaço para as peladas – com os jogadores gritando “Hands!!!” a cada toque de mão -  as superstições – “Se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano sempre terminaria empatado”, vide Neném Prancha – e, óbvio para as 17 regras oficiais do esporte... Para concluir, um “Pequeno Vocabulário da Gíria Futebolistíca”, que proporcionou uma iniciação em termos como “armandinho”, “ciscador”, “estaleiro”, “fiteiro”, “gaveteiro”, “leiteiro”, “mascarado”, “melancia”  - não o Chico, mas um passe mal feito – “sururu” e “tapetão”...













União Soviética não compareceu à Copa de 1974, porém seu maior goleiro tem biografia no manual...













































Sobre a Copa do Mundo propriamente dita, o manual tem duas páginas com as bandeiras das seleções participantes, e textos sobre jogadores de destaque que compareceriam nos gramados alemães, tais como “O Imperador Franz” – Beckenbauer – “Cruyff, o holandês bom de bola” – cuja biografia mencionava que ele era um troglodita, quer dizer, um poliglota, tinha a pesca como “hobby” e apontava como seus atores preferidos Charles Bronson e Natalie Wood – e “O Reizinho do Parque” – Rivellino, aqui grafado como “Rivelino”, assim como Corinthians se escrevia “Coríntians” – com um comentário elogioso de um técnico da FIFA... “Em quinze minutos ele pode ganhar qualquer jogo”... Zagallo, ou melhor, “Zagalo”, o técnico da Seleção Brasileira que defenderia o título na Alemanha “Occipital”, era chamado de “o Gastão do Futebol”, pois “dizem que ele é o sujeito mais sortudo do futebol brasileiro”, assim como o primo do Donald tem toda a sorte do mundo na região de Patópolis...  Outros textos são dedicados a algumas das principais seleções presentes ao Mundial... “Um adversário de respeito” – Alemanha , que teria organizado um boicote europeu contra a primeira Copa do Mundo, em 1930 – “Futebol em ritmo de tango” – Argentina, a qual seria vítima da debandada de craques para outros países, mas ainda sim tinha futebol para ser campeã mundial, o que não era até então – Escócia – incluída no livro por ser considerada um adversário difícil do Brasil na primeira fase do torneio, vide o capitão Billy Bremner, “considerado por alguns um verdadeiro dínamo humano” – A “Squadra Azzurra” - Itália – quando Zé Carioca descobriu, como enviado especial de “A Patada” a um compromisso da Seleção Brasileira na Europa, que a denominação da seleção se deve à cor azul de suas camisas – e “A Celeste Olímpica” – que apesar de “algumas fases de vacas magras”, ainda era “um adversário de respeito”... Então é por isso que o texto foi publicado na página 50... Ops!!!... Seleções que não se classificaram para a Copa também são abordadas pelo livro, como a Hungria – apesar do primo Zé Paulista não admitir que o Honved da década de 1950 era melhor que o “Coríntians” – Espanha – que poderia ter enfrentado o Brasil, se não tivesse sido derrotada na repescagem europeia pela Iugoslávia (citada rapidamente no texto sobre êxodo de jogadores, pois liberava transferências para o exterior quando os atletas atingiam uma idade-limite...), em tempos pré “tiki-taka” ainda era conhecida como “Fúria” – Inglaterra – “Para a Copa de 1970, a seleção inglesa era uma das favoritas, mas não passou das quartas-de-final, mas as coisas pioraram ainda mais, na fase de classificação para a próxima Copa, os ingleses foram eliminados pela Polônia em pleno estádio de Wembley” - e Portugal – com um certo Patonel, chamado pelo Zé Carioca para dirigir seu time, contou que a seleção de seu país por volta de 1925 só jogava com a Espanha, e sempre perdia, e em 1947 foi derrotada pela Inglaterra por 10 a 0... Sobre a Seleção Brasileira, além da história da equipe desde os primórdios, em 1914, o manual informa que responsável pela equipe era a entidade máxima do futebol no Brasil, a Confederação Brasileira de Desportos, a CBD, que reunia 122 entidades de 22 esportes diferentes... Notem como o presidente era escolhido pelas federações estaduais... “Cada federação tem direito a um voto, e mais um por esporte que dirige... Assim, a Federação Paulista tem dois votos, ao passo que a Paraense tem 14 e a Fluminense 18”... Por fim, Zé Carioca, para ajudar seu amigo de anos, o Pato Donald, a organizar um torneio de futebol com a garotada amiga de seu bairro, explicou como surgiu a Copa do Mundo, “O maior espetáculo do futebol” e a saga da taça Jules Rimet... “Como você sabe, o Brasil ganhou definitivamente esse troféu por ter sido campeão mundial três vezes... Mas para o Campeonato Mundial deste ano na Alemanha, já foi feito outro troféu de ouro, a Copa FIFA”... Cobiçada até pelos grandes vilões da Disney... Jules Rimet começou assim... Ops!!!...














Ilustração sobre a então recém-criada Copa FIFA foi uma espécie de vaticínio sobre o roubo da Jules Rimet, digo...

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