quarta-feira, 19 de dezembro de 2018
Pepe Mujica fala do Luis Inácio...
Quase quatro anos depois de deixar a presidência do Uruguai, José “Pepe” Mujica continua a ser referência, tanto dentro quanto fora de seu país... No último dia 11 de dezembro, Fernando Haddad, (infelizmente...) derrotado nas eleições presidenciais brasileiras, compareceu em sua pequena propriedade rural na região de Rincón Del Cerro, acompanhando a representação do PT no Parlamento do Mercosul, que se reuniu em Montevidéu... Um setor do Movimento de Participação Popular, o MPP, partido de Mujica, usa como símbolo nos seus cartazes de propaganda política um Fusca azul, como o carro do ex-presidente... Em setembro, estreou o filme “Uma Noite de Doze Anos”, sobre o período em que Mujica e outros guerrilheiros tupamaros (movimento que deu origem ao MPP...) estiveram presos nos cárceres da ditadura uruguaia, entre 1973 e 1985... Nas lojas de “souvenirs” para turistas, a figura de Pepe aparece nos mais variados tipos de lembrancinhas, inclusive associadas à maconha, uma vez que em seu governo estabeleceu a regulamentação do comércio da droga... Até bonecos de papelão estão a disposição para quem quer uma foto com Mujica, já que a venda de maconha é feita apenas em algumas farmácias credenciadas, a não ser que o visitante queira levar um pacote de mate com “cannabis”, digo... Nas livrarias estão disponíveis diversas obras sobre Pepe... A biografia escrita por Maurício Rabufetti, “A Revolulção Tranquila”, é mais conhecida, porém outro excelente livro é “Uma Ovelha Negra no Poder – Confissões e Intimidades de Pepe Mujica”, escrito pelos jornalistas Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz... Que acompanharam todo o seu mandato presidencial, entre 2010 e 2015, o segundo consecutivo da Frente Amplio, coalizão de esquerda que governa o país desde 2005, e passaram em revista toda sua vida e trajetória política, auxiliado pelas várias vezes em que entrevistaram Mujica em Rincón Del Cerro, antes e depois da presidência... Inclusive Danza, que é editor do semanário “Busqueda”, publicou no último dia 16 de dezembro uma entrevista com Mujica, feita justamente em sua propriedade, em meio aos trabalhos de preparação de tomates para molho... O livro também traz as impressões de Pepe sobre os líderes internacionais com quem conviveu durante seu mandato... Um dos quais é objeto de sua maior admiração, e o tem na conta de um guru, o Luis Inácio... Não só apenas por ter alcançado projeção internacional no Brasil, após seu discurso na conferência Rio+20, em 2012... Ou como relatam os autores da obra...
“E para entender como manejar essa projeção internacional e importância estratégica da América Latina, sempre recorreu a outro de seus grandes amigos na política internacional: Luis Inácio Lula da Silva... Ele foi um modelo, um de seus faróis...
Mujica vê ao Brasil como o país mais importante da América do Sul, com as características de um continente... Sua opinião é que deveria estar na vanguarda e liderar a união regional... Governar esse gigante é uma tarefa digna de ser observada com atenção...
O Brasil é, ademais, um país em que a corrupção está incorporada... Sempre foi dessa maneira, por mais que mudem os partidos no poder... Nenhum pode terminar com certos políticos e empresários que se movem com base nessas práticas... As denúncias causaram manchas em todos os governos, incluídos os de Luis Inácio e o de Dilma Rousseff, que tiveram de substituir vários ministros por esses motivos...
Luis Inácio teve de enfrentar um dos maiores escândalos da história recente do Brasil: o Mensalão, uma das mensalidades que cobravam alguns parlamentares para aprovar os projetos mais importantes do Poder Executivo... Compra de votos, um dos mecanismos mais antigos da política... Até José Dirceu, um dos principais assessores de Luis Inácio, terminou processado por esse caso...
‘Luis Inácio não é um corrupto como era Collor de Mello e outros ex-presidentes brasileiros’, nos disse Mujica ao referir-se ao caso... Contou, além disso, que Luis Inácio viveu esse episódio com angústia e com um pouco de culpa... ‘Neste mundo tenho de lidar com muitas coisas imorais, chantagens’, disse Luis Inácio penalizado a Mujica e Astori, algumas semanas antes de assumirem o governo do Uruguai... ‘Essa era a única forma de governar o Brasil’, se justificou... Haviam ido visita-lo em Brasília e Luis Inácio sentiu a necessidade de esclarecer a situação... ‘O mensalão também é este pais, tudo é grande’, refletiu...
‘O Mensalão é mais velho que a cuia do mate’, opina Mujica... Grandes políticos da História recorreram a mecanismos similares... ‘Às vezes, esse é o preço infame das grandes obras’, argumentou enquanto recordava de Abraham Lincoln, justo na época em que havia estreado o filme de Steven Spielberg sobre a vida do presidente estadunidense, que mostrava como tinha de entregar aos deputados algo em troca para votassem seus projetos...
Luis Inácio é uma figura recorrente nas conversas de Mujica... O admira profundamente... ‘Um baixinho bárbaro’, é sua definição do primeiro presidente brasileiro do Partido dos Trabalhadores...Os cinco anos em que Mujica desempenhou a função de chefe de Estado, sempre esteva Luis Inácio pronto para oferecer um conselho ou pedi-lo...
Assim foi como Mujica supôs que Dilma Rousseff seria a candidata de Luis Inácio, muito antes que o tornasse público... Também, que depois apoiaria sua reeleição... Entendeu perfeitamente essa jogada... Luis Inácio preferia ser o poder nas sombras e, depois do Mensalão, não ficar exposto demais...
A Dilma, ‘ele a inventou’, recorda Mujica e desenvolve suas ideias sobre a importância do Brasil na região... Falar do Brasil com Mujica é abrir uma porta pela qual vão sair extensas reflexões sobre o futuro do mundo e o posicionamento internacional do Uruguai...
E Dilma cumpre para Mujica uma função importante para levar adiante esse país: é muito boa administradora e melhor técnica que Luis Inácio... Dilma lhe disse desde o primeiro momento que ambos tinham que falar a cada três ou quatro meses para acelerar os acordos bilaterais... As duas prioridades que colocou de ajuda externa foram Cuba e Uruguai, e assim disse aos presidentes de ambos os dois países...
Mujica recorda que, em meados de seu governo, Uruguai tinha problemas para acertar um intercâmbio energético com o Brasil... A nível político havia acordo, mas os técnicos resistiam... ‘É tudo burocracia’, se queixou Luis Inácio, e lhe recomendou falar com Dilma... A presidenta brasileira aproveitou uma visita de Mujica ao Brasil para cobrar energicamente seu ministro da Energia diante da delegação uruguaia... O problema se solucionou menos de uma semana depois...
‘Velho sábio do sul’, batizou Dilma a Mujica depois de anos a compartilhar reunões, conferências e conversas informais... ‘Ficava arrepiada cada vez que o escuto’, repetia... E foi a madrinha de um de seus principais projetos a médio prazo: um porto de águas profundas no departamento de Rocha, ao leste do Uruguai e sobre o Oceano Atlântico...
Mujica apostou nesse porto como ‘a maior jogada de política externa’ do seu governo e elegeu o Brasil como aliado... Mediante um acordo com o governo de Dilma, procurou assegurar a longo prazo a construção desse grande terminal marítimo de carga e dessa forma aproximar vários países da região com o Uruguai e favorecer a todo o Mercosul...
Durante o último ano da presidência de Mujica, houve eleições no Brasil... Mujica desejava profundamente que Dilma fosse reeleita, como no final ocorreu... Luis Inácio veio visita-lo em Montevidéu no começo de 2014, quanto tanto no Brasil quanto no Uruguai se iniciava a campanha eleitoral...
Falaram do futuro de ambos os dois... Tiveram um jantar regado a bebida em Cerro, que se prolongou por horas... Luis Inacio lhe recomendou que assuma uma liderança internacional por sua boa projeção internacional... Lhe tinha reservado o papel de articulador do continente... O convenceu de que esse lugar era para ele porque o Uruguai é um país pequeno...
‘Tem por mim muito apreço e eu também tenho por ele... É um dos tipos mais brilhantes que andam pela América Latina e dos líderes internacionais que mais escuto... Não quer agarrar o comando da região por ser brasileiro... Ao Brasil sempre vão acusar de imperialista... Por isso pediu a mim... Ninguém vai desconfiar de um uruguaio, no mínimo...
Durante o jantar em Rincón Del Cerro, Luis Inácio considerou provável que ganharia Dilma no Brasil e Tabaré Vázquez no Uruguai e lhe contou uma piada... ‘Quando eu era presidente e decidi apoiar a Dilma, me diziam para não me meter na campanha eleitoral... Então, eu falava de manhã, de tarde e de noite e deu resultado... Você tem que fazer o mesmo’”...
A primeira edição do livro foi lançada em 2015... Desde então, Dilma sofreu um processo de impeachment e foi sucedida por seu vice, Michel Temer, em 2016... Vásquez assumiu o seu segundo mandato como presidente do Uruguai e sofreu um forte abalo quando seu vice, Raul Sendic, renunciou em julho de 2017, devido a um caso de uso indevido de cartão corporativo quando presidia a empresa uruguaia de petróleo, a Ancap... No Brasil, os desdobramentos do caso do “Petrolão” levaram o Luis Inácio a ser condenado e preso em abril de 2018, quando era o favorito nas pesquisas de intenção de voto para a presidência da república - e Pepe o visitou em Curitiba, no último mês de junho... No Uruguai, Mujica desfruta do mesmo favoritismo, porém renunciou a seu cargo de senador e retirou-se da vida pública em agosto, alegando motivos pessoais, e afirmou na entrevista ao “Busqueda” que não será candidato, apesar de sinalizar que voltará a política caso a Frente Amplio perca as eleições de 2019... A coalizão de esquerda no momento tem quatro pré-candidatos, Carolina Cossé, ministra da Indústria, Mineração e Energia, Daniel Martinez, prefeito de Montevidéu, Mario Bergara, ex-ministro da Economia e Finanças e Óscar Andrade, sindicalista... Como no Brasil abalado pelos escândalos de corrupção, candidatos conservadores tentam tirar proveito dos problemas dos governos de esquerda para conquistar o poder... Alguns deles já trabalham forte na campanha de rua, casos de Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional (Blanco), derrotado por Vásquez em 2014... E Edgardo Novick, que perdeu para Martinez a eleição para a prefeitura de Montevidéu em 2015, apoiado por uma coligação dos dois partidos conservadores que dominaram a política uruguaia por dois séculos, os Blancos e os Colorados, e fundou sua própria agremiação, o “Partido de La Gente”... Seu slogan de campanha é “Tolerância Zero Com a Delinquência” e quando o Coisa Ruim venceu as eleições presidenciais no Brasil, Novick foi até a cidade gaúcha de Santana do Livramento, na fronteira do Uruguai, para comemorar a vitória do candidato do PSL... Empresário do setor de confecções e construtor de um shopping center em Montévideu, Novick se considera uma novidade na política... Alis, no último dia 12 de dezembro, outro “outsider” anunciou sua pretensão de presidir o Uruguai, o bilionário Juan Sartori, que apesar de ser um grande proprietário de terras, não residia no país há 20 anos, e tentará vencer as primárias dos Blancos, concorrendo inclusive com Lacalle Pou... As candidaturas de Sartori, e principalmente a de Novick fazem pensar que os uruguaios correm o mesmo risco dos brasileiros de se deixarem levar por um discurso de ordem excludente e antipopular... Que nas últimas eleições, negaram a ideia que Pepe Mujica tem do país, reportada na biografia de Danza e Tulbovitz... “O exemplo que sempre coloca como positivo é o Brasil, onde convivem todas as raças e religiões mescladas sem nenhum inconveniente: índios, negros retintos e mestiços de olhos azuis, orientais, nórdicos, não falta nada no Brasil.. E a sociedade funciona perfeitamente integrada... Também os homens com as mulheres”...
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