Muito antes do Eduardo Bueno, havia um Peninha que publicava reportagens espetaculares em "A Patada"... |
O Manual do Peninha, lançado pela Editora Abril em 1973, e relançado neste ano em edição fac-similar, é uma sólida referência ética sobre o trabalho do jornalista em suas 192 páginas... Criado pelo “Homem-Abril” Cláudio de Souza, supervisionado por Waldyr Igayara de Souza, com texto coordenado e pesquisado por Elizabeth Sigoli e editado por Sílvio Fukumoto, o manual tem como figura principal, o pato repórter Peninha (não confundir com Eduardo Bueno, que deve seu apelido ao ilustre colega de profissão...) , que trabalha com seu primo Donald (não confundir com o Trump, pois o pato gosta de mexicanos...), no jornal “A Patada”, de propriedade de seu tio Patinhas... Título escolhido “por ser um nome rico de sentido”, pois “além de lembrar a palavra pato, lembrava o golpe dado com a pata”... Cujo principal concorrente é “A Patranha”, o qual tem como dono o seu arquirrival Patacôncio... Que não deve ter atentado para o fato de que patranha é sinônimo de mentira... Tanto que ao observar da janela de seu escritório na redação do jornal uma pessoa levando um coice de uma mula, mandou colocar na primeira página de seu jornal... “Funcionário de ‘A Patranha’ agredido pela ‘Patada’”... A cena ilustra o texto sobre “Imprensa Amarela”, que relata a bronca que Patinhas deu em Peninha por ter publicado uma reportagem sobre o pouso, no sítio da Vovó Donalda, de um disco-voador – que era de papelão pintado, feito para o filme “O Planeta dos Marrecos”... “Você bem sabe que imprensa amarela é um termo depreciativo para designar a imprensa sensacionalista, de idoneidade duvidosa, que até inventa notícias para vender jornal!!!”, disse o pato mais rico do mundo... Os princípios éticos estão presentes em todas as páginas no manual, inclusive nos verbetes do “Pequeno Vocabulário do Jornalismo”... “Cascata”, por exemplo, é “texto enrolado, enganoso e fútil para espichar a notícia”, ou “foto posada, foto arranjada pelo fotógrafo”... “Chupar” é “copiar trabalho alheio”... O equivalente ao “kibar” que ocorre hoje com os memes de internet, Antônio Tabet... Agora, o conceito de “Picaretagem” demonstra tudo aquilo o que um jornalista NÃO deve fazer... “Uso da condição de jornalista para obter proveito indevido... Ação de profissionais incompetentes ou aventureiros que, sem méritos próprios, usam de expedientes para lograr vantagem”...
Mesmo no ponto mais baixo na hierarquia do jornal, Peninha sempre foi o sustentáculo da publicação... |
“Será que repórter é a melhor ocupação para um pato amalucado como o Peninha??? Era a dúvida do Tio Patinhas, ao designá-lo repórter de ‘A Patada’... Como não há parada que o Peninha não tope, ele não teve dúvidas: ‘botou pra quebrar’ (inclusive máquinas de escrever, gravadores, etc.)... E provou que, com as trapalhadas e tudo, tinha uma grande qualidade: comunicava-se com o público... Só não conseguiu comunicar-se com o Tio Patinhas nos pedidos de aumento salarial, mas isso são outros cinquenta centavos (500 cruzeiros é muito para o rico pato)”... Assim, Peninha revelou fraudes no concurso de “a mulher mais bem vestida” no Teatro Municipal de Patópolis – entre os concorrentes havia a mulher de um dos jurados e Margarida, a namorada de Donald, que o acompanhava na cobertura – confundiu um peixe-espada empalhado com o pescado servido no restaurante “Ao Peixe Frito”, que seria objeto de uma coluna de restaurantes, fez jornada extra entregando “A Patada” para o Urtigão em seu casebre na roça, flagrou (sem saber...) o roubo de joias da H.Estética cometido por Onze Dedos em meio a uma densa neblina que caiu sobre a cidade, confundiu o presidente de Marrecos, Al-Kazo, com o ator Henry Fundo, caracterizado como sultão, fotografou o momento em que o ator Omar Xerife perdeu a dentadura na estreia do filme “Eu Me Chamo TNT” , ajudaram a prender o assaltante Mão Leve, que havia roubado sua máquina fotográfica, escreveu uma coluna social sobre o banquete na mansão dos Dendeco D’Almeida, mostrou a realidade das relações entre vendedor e cliente das lojas Peg-Pato, descobriu o roubo do iate Cifrão dos Mares, denunciou que o prefeito Inaugurindo ia inaugurar o Viaduto dos Patos pela 15ª vez, transformou uma receita de suflê de cenoura em suflê de cebola, conseguiu uma entrevista exclusiva com o milionário recuso Zé Poltrão... Tudo isso sem conseguir aumento de salário, só descontos pelos prejuízos causados ao Patinhas... Até porque o único aumento que o ricaço concede a seus funcionários é de serviço e aquela manchete sobre emprestar dinheiro sem juros era uma “barriga”... Sempre disposto a ampliar seus conhecimentos sobre a profissão, Peninha aprendeu que “a notícia pode estar ou surgir em qualquer lugar: no mar, no ar, na terra, nas cidades, nas estrada, nos campos, basta que o repórter seja ativo, perspicaz e saia à cata delas”... Que “a redação jornalística começa do clímax” e “essa ‘abertura’ de uma notícia e tão importante que tem até um nome em inglês: lead (pronuncia-se lid), isto é, o que vai na frente”... Soube com seu patrão que “a redação é o cérebro do jornal, é um laboratório que trata a informação de tal maneira que ela possa ter acesso fácil ao público”... Alis, o conhecimento de Patinhas sobre o jornalismo e seu poder é tão grande que o milionário escreveu um editorial pedindo mais policiamento em Patópolis... Depois que uma de suas piscinas de dinheiro amanheceu vazia... Para ser limpa, só que o artigo levou a polícia a prender os Irmãos Metralha... Isso porque afirmaram ao jornal “O Bico do Bairro” que é muito difícil assaltar a caixa-forte do Tio Patinhas devido aos buracos na rua onde está localizado o depósito de dinheiro... Também atento aos aspectos comerciais do jornalismo, Patinhas se apetece com o faturamento obtido com os anúncios da edição dominical de “A Patada” e lançou a “Mini-Patada”, uma versão de seu jornal em formato tablóide, para economizar papel, de acordo com seus sobrinhos repórteres... E não deixou que o Museu da Imagem e do Som registrasse o tilintar de suas moedas... Peninha, por sua vez, continuou a aprimorar seus conhecimentos sobre a história do jornalismo, os gêneros jornalísticos e a vida dos grandes jornalistas, inclusive a do Barão de Itararé, cuja frase lapidar está em um quadro na casa do seu amigo Zé Carioca... "Quem inventou o trabalho não tinha o que fazer"...
Já em 1973, a vida de Donald era assunto constante das reportagens fotográficas feitas pelos paparazzi... |
Auto-elogios à Editora Abril à parte- 18 milhões de exemplares mensais publicados que formariam uma pilha de 80 mil metros de altura, livros de ensino lançados através de 14 mil bancas de jornais, 50 milhões de leitores no Brasil e em mais de 20 países, 2,5 milhões de palavras recebidas pelos seus teletipos durante 700 horas por mês, suficientes para preencher um livro de 10 mil páginas – o manual não apenas traz a história das comunicações, desde a Antiguidade, com textos sobre pombo-correio, sinais de fumaça, literatura de cordel, folhetim, panfletos, almanaques (ainda hoje disponíveis nas farmácias da região de Pindamonhagaba....), como relata os mais recentes avanços tecnológicos a serviço da informação – em 1973 – tais como o satélite Intelsat, que transmitia 12 programas de televisão e 5 mil telefonemas ao mesmo tempo – e o mini-teipe, uma “câmera de TV do tamanho de um filmador” que “facilita muito a filmagem das tele-reportagens”... Otimista, o manual não acreditava que a televisão acabaria com as revistas ilustradas – não se falava em internet, ainda - e mesmo citando a previsão do Caderno de Jornalismo do “Jornal do Brasil” de que “no futuro um cérebro eletrônico poderá editar um jornal ou uma revista”, tinha a convicção de que “por mais aperfeiçoadas que sejam, as máquinas não poderão fazer tudo no jornalismo e haverá sempre a necessidade da ‘cuca’ de um jornalista para colher, escrever e analisar os fatos... A não ser, é claro, que algum Professor Pardal também invente um jornalista eletrônico”... Antes teria que criar um redator-chefe eletrônico para o Percival – no caso, o contínuo do jornal – colocar óleo, digo... O livro termina com a conferência sobre o poder da imprensa, proferida pelo Peninha na Escola de Comunicações de Patópolis... “No mundo de hoje, a imprensa tem um papel cada vez mais importante... Termômetro da opinião pública e arauto da História, a missão da imprensa é grande e nobre... O trabalho do jornalista, antes de ser uma profissão, é um sacerdócio... Ele deve transmitir ao público, de modo imparcial, os fatos, muitos dos quais podem influir na vida de toda a humanidade... Deve interpretar a opinião pública, visando a interpretar um serviço à coletividade... A missão da imprensa é informar, esclarecer e orientar o público; defender o bem e o justo e combater o mal e o injusto, transmitir corretamente os fatos, sem distorcer a verdade... A imprensa é o mais poderoso veículo de comunicação, dada a influência que é capaz de exercer na opinião pública... Já no passado liderou campanhas memoráveis, como a do abolicionismo e a da república do Brasil... Pode até mudar o curso da História, tal é o poder da palavra (...) Na organização dos países há três poderes públicos: o Legislativo, que faz as leis; o Executivo, que governa e cumprindo e fazendo cumprir essas leis; e o Judiciário, que julga as transgressões ou não dessas leis... Mas o poder da palavra transmitida pela imprensa é tão grande que, por essa razão, a imprensa é chamada o Quarto Poder”... Vale lembrar que os alunos de comunicação de Patópolis convidaram inicialmente o Tio Patinhas para fazer a conferência – ele recusou o convite, alegando problemas particulares, além do fato de que não receberia nada pelo comparecimento no evento – e o texto lido pelo Peninha foi escrito por Gilberto... Que vem a ser “o sobrinho sábio do Pateta”... Naquele tempo ainda não se usava as palavras “geek” e “nerd”... Mas já se falava em “ghost-writer”, digo...
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