"Roberto Carlos Especial" de 1976 foi o primeiro com a bolinha da Globo de Hans Donner - e Erasmo não veio... |
O Roberto Carlos Especial de 1976, apresentado originalmente em 24 de dezembro daquele ano, foi o primeiro realizado de acordo com a identidade visual implantada por Hans Donner alguns meses antes, em 9 de fevereiro, com a bolinha da Globo no desenho atual, onde o globo terrestre se vê na tela da televisão, usando o recurso do alto-contraste para deixar o logotipo menos bidimensional e com mais volume... O especial homenageou os músicos, com direito ao próprio cantor trabalhando forte na representação dos interesses da classe, inclusive cobrando providências sobre os custos de importação de instrumentos ao ministro da Educação e Cultura na ocasião, o ex-governador do Paraná, Ney Braga, que naquele mesmo ano se movimentou para tirar a afiliação da Globo no Estado das mãos de um adversário político, o também ex-governador Paulo Pimentel, Rede Massa, corre aqui... Quanto ao especial propriamente dito, a abertura é uma sequência de closes em instrumentos musicais, fechando com um metrônomo, aparelho usado pelos instrumentistas para tocarem no ritmo correto, pois o palco foi convertido numa loja onde Roberto Carlos dedilha o bandolim, toca gaita, e ao acionar o metrônomo, entram imagens de solistas, instrumentos e do maestro Chiquinho de Moraes, iniciando os trabalhos da orquestra e servindo de fundo aos créditos, "Rede Globo Apresenta" - a bolinha do Hans - "Roberto Carlos Especial" - um R e um C com estrela no meio - "Um Programa de Augusto César Vannucci e Ronaldo Boscoli" - letras na fonte Globoface em amarelo - "Direção Geral Augusto César Vannucci", Roberto aparece ao lado de muitos músicos e anuncia, "esse é um especial dedicado com muito amor aos compositores, cantores e músicos brasileiros, eu sempre tive vontade de reunir esses artistas craquíssimos e seus instrumentos maravilhosos"... Então é por isso que os instrumentistas trabalharam forte logo de cara, acompanhando o Rei em alguns de seus grandes sucessos... Altamiro Carrilho, “Calhambeque”, flauta, adaptação da música “Road Hog” feita por Erasmo Carlos e lançada no disco “É Proibido Fumar”, de 1964... Maurício Einhorn, gaita, “Eu Sou Terrível”, parceria de Erasmo e Roberto no LP – e no filme – “Roberto Carlos em Ritmo de Aventura, lançados em 1967 e 1968... Hamilton “Broa”, “Proposta”, piston, música que apareceu em 1973... Zé Menezes, mais conhecido por ser o compositor do tema de “Os Trapalhões”, que estrearia na Globo alguns dias depois da exibição do especial, em 7 de janeiro de 1977, com exibição semanal a partir de março, “Mexerico da Candinha”, banjo, cavaquinho e guitarra, música que Erasmo e o Rei compuseram para o álbum “Jovem Guarda – Roberto Carlos”, de 1965... Paulo Moura, o próprio, sax soprano, “Olha”, gravada para o disco de 1975, composição da dupla que ficou conhecida também na interpretação de Chico Buarque... Quanto a Roberto Regina, que construía cravos em casa, para contornar as dificuldades de importação, a execução de “Detalhes”, de 1971, mereceu uma ambientação especial, num gramado, no meio de um bosque... Um cenário típico dos musicais televisivos da época, hoje bastante datado, ainda mais porque o filtro colocado na imagem deixou a apresentação com aquela cara de episódio do Chapolin de 1974, aqueles em que o uniforme do Vermelhinho parece cor-de-rosa... O uso do instrumento na gravação de músicas era uma tendência de então, haja visto que Moacyr Franco também encomendou um cravo, garantindo ainda a ornamentação de sua sala de estar, digo...
Infelizmente, Zé Menezes não fez uma prévia do tema composto para "Os Trapalhões", que estreou dias depois... |
Depois das performances dos instrumentistas, tivemos um segmento ecológico, com Roberto cantando no palco “O Progresso”, do álbum de 1976, onde ele na capa segura um chapéu branco na cabeça, “o que me motivou a fazer essa música foram as baleias, eu sou um homem do mar, as baleias me apaixonam de forma especial, e Erasmo Carlos porque ama a natureza de forma especial, e me entristece o fato de que as baleias estão morrendo, desaparecendo e enchendo o mar de sangue, e me entristece ainda mais que o progresso é culpado por isso, mais culpado ainda é o maior depredador, que nós conhecemos, o homem”, favor não confundir com “As Baleias”, que apareceria apenas em 1981... A resenha ambiental continua em um bate-papo com ninguém menos que Tom Jobim, eles leem o roteiro da apresentação, o Rei com uma cigarrilha na boca, dizendo que vai dar um copo a Tom, que ele vai recusar por não ter gelo, Roberto lembra que a música de Jobim está cada vez mais alta, peixes, passarinhos, sabiá, sugere a inclusão de uma águia, Tom pede para tirar do contexto, tomando uísque sem gelo mesmo, o Rei resolve falar de voos mais altos, questionando Jobim sobre a descoberta do urubu-gereba nos Estados Unidos, ele afirma ser “intriga da oposição”, mas leu que ele voa do sul do Canadá até o som da Patagônia, preferindo o verão, “porque urubu não gosta nem de chuva nem de neve, urubu gosta de muito sol e vento bom, esse o gereba é chamado de urubu caçador, camiranga, urubu-de-cobra, urubu-gameleira, um bicho assim muito importante, então é por isso que ganhou muito nomes, tem em todo o Brasil, e toda a Sul América”, Roberto fala que Jobim também “pensa numa mulherzinha como Lígia, por exemplo”, e Tom lembra ao Rei que apresentou “Lígia” – a música que compôs – numa viagem que fez as pressas aos Estados Unidos, sem passaporte – e sem visto, que coisa, não... Melhor os dois cantarem “Lígia”, gravação de 1976, Roberto no microfone, Tom no piano, a orquestra ao redor de um pequeno palco, no que foi a primeira citação das influências da Bossa Nova no estilo musical do Rei, pelo menos em seu começo de carreira... A versão para gaita de “Eu Quero Apenas” introduz aquele que é o ponto alto do especial, quando Roberto canta “O Portão” ao lado de sua banda de apoio, a RC8, “amigos que me acompanham há mais de dez anos, eu passo com eles uma grande parte da minha vida viajando, e sempre voltando ao mesmo portão”, todos eles em um trem de luxo que percorre a cidade de São Paulo, o que inclui fábricas, bairros residenciais, estações do trem de subúrbio, passageiros lotando as plataformas, armazéns, vagões de carga estacionados e depósitos de lixo... Mas só porque quando o cantor está de boné do Milton Nascimento, fazendo o pingente na entrada do vagão, passa na linha do lado um trem de subúrbio TUE série 101, todo em aço inoxidável, fabricado pela Budd nos Estados Unidos e montado no Brasil pela Mafersa na década de 1950 para operar na Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, conforme pode ser lido nas laterais da composição, fazendo o percurso das atuais linhas 7 e 10 da CPTM, quando os trens foram rebatizados como série 1100... Então é por isso que a música termina quando o trem do Rei chega na Estação da Luz – e a placa com o nome de São Paulo indica que trens de longo percurso ainda saíam dali – intercalada com cenas do interior da estação e do trânsito na Avenida São João, onde é possível reconhecer ônibus monobloco BBB O362 da CMTC e da Gato Preto, Peter Jankov, corre aqui, “eu volto sempre com eles, meu portão, pra minha casa, pras pessoas que eu amo, para os meus amigos” – e olha que a canção “Amigo” seria lançada apenas no ano seguinte, digo...
Trens Budd da Série 100, depois 1.100 da CPTM, que roubam cena no vídeo de "O Portão", circularam até 2018... |
Depois de dizer que “os tesouros de um compositor são suas obras”, e cantar no palco“Pelo Avesso”, do álbum de 1976, homenageando o autor da música, Milton Carlos (em parceria com a irmã, Isolda Bourdot, que escreveu “Outra Vez”, lançada no disco seguinte...), que morreu num acidente de carro em 21 de outubro daquele ano, Roberto promoveu o encontro de jovens revelações da música brasileira numa ceia de Natal, “que tempo maravilhoso viveu essa gente cheia de adjetivos”... Aracy de Almeida, “o samba em pessoa”, vide “Conversa de Botequim”, que Noel Rosa e Vadico compuseram em 1935, Carlos Galhardo, “o cantor que dispensa adjetivos”, “Fascinação”, cuja primeira versão em português foi gravada por ele em 1943, Linda Batista, “a rainha dos Carnavais”, vide “Nega Maluca”, de 1950, e “Madalena”, de 1951, Moreira da Silva, “o tal”, vide “Na Subida do Morro”, de 1952, Isaurinha Garcia, “a dor de cotovelo”, vide “Mensagem”, de 1946, e Orlando Silva, “o cantor das multidões”, vide “A Deusa da Minha Rua”, que dedicou a esposa Lurdes, composta em 1939 e que Roberto gravou em 1974 e cantou no especial daquele mesmo ano, “essa gente importante, às vezes tão esquecida, mas que nos ajudou a obter com lutas e sacrifícios todas as nossas conquistas de hoje, vitórias para que os cantores e o cantores e compositores não fossem simplesmente eternos poetas”, e Linda aproveita para fazer um brinde a irmã, Dircinha Batista... Sendo que Roberto não perguntou a Aracy, agradecida a Noel, quando vale o show, “Fascinação”, ainda era associada a peruquinha de Carlos Galhardo e não tinha se tornado o nome da novela estrelada por Regiane Alves, que nem era nascida, um amigo me disse, a atriz nasceu em 1978 e a novela, gravada em 1997, estrou no SBT apenas em 1998, “Nega Maluca” não foi problematizada, nem o bolo, nem o cigarro que Linda fumava sem parar, Moreira da Silva, grato aos cariocas pelo samba de breque, não era o personagem do Horácio Gómez na versão de 1979 do episódio “A Construção”, do Chapolin e tampouco foi cantada a versão do Didi Mocó para “Mensagem”, uma criação de Aldo Cabral e Cícero Nunes, “quando o carteiro chegou e meu nome gritou com as calças na mão, ante surpresa tão rude, nem sei como pude correr de calção”... Ops!!!... O trabalho forte desses cantores inspirou Roberto em seu brinde ao final da ceia e nos pedidos ao ministro da Educação e Cultura dos militares, ao mesmo tempo em que cantava “Boas Festas”, acompanhado-se no violão, “a música popular brasileira precisa de ajuda, os compositores, cantores, músicos, necessitam de melhores condições profissionais, não há sucessores nessas fontes, não há escolas onde os músicos possam aprimorar suas qualidade, não há bons instrumentos no Brasil, os importados custam dinheiro demais, meu caro ministro Ney Braga, ao senhor que já tem feito tanto pela classe, nós gostaríamos de pedir mais uma coisinha, a música ao vivo e sinônimo de emprego, feliz 77"... Não que ele acredite em Papai Noel, mas o fato é que o especial terminou com o Rei trajado como o Bom Velhinho num parque de diversões à noite, ao lado de seu filho Dudu Braga, o Segundinho, com os créditos na fonte Globoface rolando ao som de uma versão instrumental de "A Montanha”, “Segundinho, música foi o maior presente que seu pai ganhou de Papai Noel, e meu Papai Noel, filho, é seu avô”, falando em família e amigos, notem que Erasmo Carlos não compareceu neste especial, lacuna que seria preenchida, em definitivo, com o lançamento de “Amigo”, em 1977, “Emoções” surigiria apenas em 1981...
Encontro de Aracy de Almeida e o Rei, muito além da conversa de botequim, vale mais do que dez paus, patrão... |
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