quarta-feira, 24 de abril de 2019

Tudo é passageiro ainda, menos o cobrador e o motorista...

Com mão dupla de direção, era muito mais difícil para os pedestres atravessarem a Avenida São João nos tempos dos bondes...


























































(Publicado originalmente em 5 de março de 2016...) Ayrton Camargo e Silva, no livro “Tudo é Passageiro – Expansão Urbana, Transporte Público e o Extermínio dos Bondes em São Paulo” faz um relato sobre o sistema de bondes da capital paulista, desde a inauguração da primeira linha de transporte público de passageiros com operação regular, em 1872, com tarifa de 200 réis, até a retirada de circulação do último bonde elétrico, em 1968... O foco principal é a fase em que a operação dos bondes esteve à cargo da The São Paulo Tramway Light And Power Company Limited, mais conhecida como Light, cuja primeira linha começou a circular em 7 de maio de 1900, ligando o Largo de São Bento ao bairro da Barra Funda (o ponto final era em frente à residência do prefeito Antônio Prado...), apesar de que no plano original, a primeira linha, que teve suas obras inciadas em julho de 1899, ligaria a região central ao bairro da Penha... A Light seria a operadora dos bondes paulistanos até 1947, quando foi substituída pela Companhia Municipal de Transportes Coletivos, a CMTC... O serviço de bondes, a burros ou a vapor, mas sempre sobre trilhos, era operado por várias empresas até 1889, ano da queda do Império e da proclamação da República, quando se fundiram para formar a Companhia Viação Paulista... Ficaram de fora a Empreza de Bonds de Sant’Anna e a Companhia de Carris de Ferro de São Paulo a Santo Amaro, que operava um trem a vapor... A origem da Light está na empresa que Antônio Augusto de Souza organizou para explorar o serviço de transporte urbano de passageiros e carga por meio de bondes elétricos... Para isso contou com o auxílio do genro, o advogado e secretário estadual de Justiça, Carlos de Campos, e de seu irmão Américo de Campos, filhos do ex-governador Bernardino de Campos, que em 1896 viajou ao Canadá em missão oficial do governo paulista e encontrou o capitão da Marinha italiana Francisco Antonio Gualco, que foi convidado pelo irmão para associar-se ao empreendimento do sogro... Gualco e Souza obtiveram da Câmara Municipal de São Paulo uma concessão de bondes elétricos em 15 de junho de 1897... Em busca de investidores para a empresa no Canadá, Gualco possivelmente encontrou-se com Frederick Pearson, engenheiro estadunidense ligado a empresas de transporte e energia nos Estados Unidos, Canadá e México... Sob sua orientação, teria pedido à Câmara a ampliação da concessão para abranger as áreas de geração e distribuição de energia elétrica, em 1898... Se isso aconteceu de fato, o autor diz não haver comprovação, mas o fato é que em 7 de maio de 1899, Pearson juntou-se a um grupo de empresários canadenses em Toronto para fundar a The São Paulo Railway Light And Power Company Limited, que iria adquirir as concessões de Glauco e Souza... Uma vez transferidos os privilégios, em 28 de setembro de 1899, a companhia trocou o “Railway” – estrada de ferro – pelo “Tramway” – bonde... Em seguida, a Light tratou de estabelecer monopólio em suas áreas de atuação, incorporando a Companhia Água e Luz do Estado de São Paulo e a Companhia Viação Paulista – depois da tentativa frustrada de associação com um grupo francês para eletrificar suas linhas de bondes – em 1900... Anos depois, em 1909, a empresa Guinle & Companhia, que mantinha uma usina elétrica para o abastecimento de eletricidade do porto de Santos, ofereceu a prefeitura de São Paulo uma proposta para vender o excedente de energia, a preços menores que os da Light... Defendida pelo advogado Carlos de Campos, o mesmo que esteve presente na origem da Light, a empresa conseguiu rechaçar a concorrente, mas teve de fazer uma série de concessões... Entre elas, a unificação da tarifa dos bondes em 200 réis, a introdução da meia passagem para estudantes e a criação de bondes exclusivos para operários, também cobrando a metade da tarifa... O valor permaneceria inalterado durante a gestão dos prefeitos Raymundo Duprat, Washington Luis, Álvaro Gomes da Rocha Azevedo e Firmiano Pinto, quando a Light fez a primeira solicitação – negada – de aumento de tarifa...
























Doutor Kenji lamenta que fotografia à cores não fosse muito comum na época em que os bondes estavam em circulação...

















































Em 1924 e 1925, greves, a revolta tenentista e a estiagem prolongada em São Paulo prejudicaram a produção de energia elétrica e obrigaram a Light a restringir a operação dos bondes... A solução era pleitear o aumento de tarifa junto ao prefeito Firmiano Pinto, o que foi feito já em abril de 1924, sem êxito... Com menos bondes nas ruas – para fazer frente a exigência de 40% de economia de consumo em março de 1925, a empresa suprimiu a operação dos bondes entre 22 horas e 5 horas e paralisou as linhas de menor movimento – começaram a surgir linhas de ônibus, apelidados de “mamãe-me-leva”... Quando o serviço foi regulamentado pela prefeitura, em dezembro de 1926, já havia 233 veículos, nas mãos de 500 proprietários – a Light possuía  478 bondes -  um quadro que o autor compara ao boom do transporte clandestino na década de 1990...  A Light, apesar de ter criado linhas de ônibus – que utilizavam veículos Yellow Coach, de cor verde – confiava nas boas relações que mantinha com o governador Carlos de Campos, que tinha sido advogado da empresa, para manter o monopólio sobre os transportes públicos na cidade... Em abril de 1926, o engenheiro e urbanista  Norman Wilson, contratado pela Light, apresenta um relatório que serviria de base para a elaboração do Plano Integrado de Transportes, entregue à Câmara Municipal em maio de 1927, já na gestão do prefeito Pires do Rio... O projeto sugeria a aquisição de 330 bondes fechados, 50 ônibus, construção de garagem e oficina, duplicação de 25 quilômetros de linhas, o prolongamento de outros 40 quilômetros e um sistema de trânsito rápido, que é chamado por alguns especialistas de “metrô da Light”... Na região central, haveria uma linha circular em subterrâneo, com oito estações, eliminando o tráfego de bondes na superfície... A Linha Sudoeste, saindo do Largo do Tesouro, seguiria pelo vale hoje ocupado pela Avenida 9 de Julho, subdividindo-se após a Avenida Paulista em dois ramais, um para o Jardim América, outro para o Ibirapuera... A Linha Leste começaria em elevado na Ladeira do Carmo, passando pela Mooca até o Belenzinho... A Linha Norte seria a eletrificação do Tramway da Cantareira, que pertencia ao governo do Estado... Além do sistema principal, haveria linhas alimentadoras, que poderiam ser operadas por ônibus...  Tudo isso seria executado em cinco anos, com a prefeitura pagando pela construção de túneis e estações, além do aumento da tarifa de 200 para 400 réis... Pouco antes da proposta ser apresentada oficialmente, em 27 de abril de 1927, Carlos de Campos morreu subitamente... Seu substituto, Júlio Prestes, não tinha maiores relações com a Light, e como o presidente da república, Washington Luis, tinha preferência pelo transporte rodoviário, em prejuízo dos trilhos... O plano simplesmente não foi  discutido na Câmara Municipal... Ao mesmo tempo, Pires do Rio encomendou ao engenheiro Prestes Maia, um plano urbanístico para a cidade, apresentado em maio de 1930... Era o Plano de Avenidas, que propunha um Anel de Irradiação e Avenidas Perimetrais Internas em torno da região central, Avenidas Perimetrais Externas, nas margens dos Rios Tietê e Pinheiros e o Sistema Y, ligando as regiões norte e sul da capital e bifurcando-se nos vales dos ribeirões Itororó e Saracura – as atuais avenidas 23 de Maio e 9 de Julho... Quanto ao transporte público, o plano atribuía preferência ao ônibus para circular no sistema viário que articularia as diversas regiões da cidade...  Embora o plano não tenha sido oficialmente aprovado, parte de suas diretrizes começaram a ser implantadas depois da Revolução de 1930 e da Revolta Constitucionalista de 1932, na gestão de Fábio Prado, entre 1934 e 1938... Sem ver seus projetos aprovados, a Light foi perdendo o interesse na operação dos bondes... Uma das poucas iniciativas tomadas pela empresa foi a aquisição de bondes fechados, que ganharam o apelido de “Camarões”...   Em 1934, uma nova regulamentação dos ônibus levou ao agrupamento de linhas isoladas, reduzindo o número de proprietários para 53, que tornaram-se donos de aproximadamente 700 ônibus...


























Camarão que dorme a onda leva, mas em se tratando do nosso colega de rede Teixeirinha, o que acontece é o contrário... Ops!!!...

























































A Light comunicou ao prefeito Fábio Prado em 7 de julho de 1937 que deixaria de operar o sistema de bondes da cidade de São Paulo quando expirasse o contrato de concessão, em  17 de julho de 1941... Os donos de empresas de ônibus interessaram-se em assumir as linhas de bondes, embora desconfiassem inicialmente que a Light estivesse blefando para conseguir aumento de tarifa... O fato é que somente em 3 de fevereiro de 1939, já na administração de Prestes Maia, a Prefeitura criou a Comissão de Estudos de Transporte Coletivo do Município de São Paulo, a CETC... Para elaborar um relatório sobre a situação do sistema, a comissão teve grandes dificuldades para levantar números sobre a quantidade de passageiros transportados e até sobre o custo do quilowatt/hora para uso em tração... Como o contrato com a Light não previa a entrega sem pagamento do acervo da empresa ao fim da concessão, a prefeitura teria que pagar por ele... Já que a administração municipal não se manifestou depois da divulgação do relatório da CETC sobre a situação do sistema, em 7 de março de 1940, a Light fez em setembro  uma proposta de venda das linhas de bondes,  inclusive a de Santo Amaro, que era uma concessão estadual... A Comissão decidiu pela viabilidade da aquisição em 28 de janeiro de 1941... No entanto, devido à eclosão da Segunda Guerra Mundial, Prestes Maia solicitou a Getúlio Vargas que prorrogasse a concessão da Light por tempo indeterminado, o que aconteceu em 25 de junho de 1941... Antes da assinatura do decreto-lei, a CETC propôs a substituição dos 543 bondes da Light por 1.800 ônibus novos de 30 lugares, a razão de dez ônibus para cada três bondes... Somados aos 615 ônibus já existentes, a cidade teria quase 2.500 ônibus para transportar 1,37 milhão de passageiros diariamente... A substituição da frota seria feita em 18 meses, com a entrega de 100 ônibus por mês prometida pelas encarroçadoras...  O custeio seria feito, entre outras fontes, com o aumento da passagem de 200 para 300 réis...  O sistema de bondes simplesmente deixaria de existir, já que sua eficiência se resumiria à linhas de transporte rápido – assim como também foi desconsiderada a implantação de sistemas de “trânsito rápido” em leito próprio, como o metrô...  Que só seria efetivamente necessário quando a cidade atingisse 2 milhões de habitantes, marca prevista para 1950... Até lá, as novas vias do Plano de Avenidas dariam conta do fluxo de ônibus, e também dos trólebus, modal sugerido pela melhor performance em locais de topografia acidentada, como a capital paulista... Todos esses planos ficaram de lado até 3 de dezembro de 1945, quando  o presidente interino José Linhares revogou o decreto-lei de 1941... O prefeito Abrahão de Moraes, com base nas conclusões da CETC, apresenta uma exposição de motivos ao interventor federal em São Paulo, José Carlos Macedo Soares, onde aponta para a criação de uma empresa de economia mista para operar todos os serviços de transportes coletivos em São Paulo... A prefeitura teria 53,7% das ações com direito a voto e as demais seriam repartidas entre a Light e os proprietários das 34 empresas de ônibus da cidade, como pagamento pela aquisição de seus acervos... A nova empresa operaria bondes, ônibus, trólebus e, futuramente, “transito rápido” (metrô)... Essa foi a origem da Companhia Municipal de Transportes Coletivos, a CMTC, cuja criação foi autorizada por Macedo Soares em 14 de agosto de 1946, sendo constituída ao receber os bondes da Light em 12 de março de 1947 e começando a operar em 1º de julho do mesmo ano, já na administração de Christiano Stockler das Neves... Exatamente um mês depois, em 1º de agosto, a tarifa dos bondes sofreu o primeiro reajuste em 75 anos, subindo de 20 centavos (200 reis, o mil-réis foi substituído pelo cruzeiro em 1942) para 50 centavos...  A passagem de ônibus subiu de 50 centavos para um cruzeiro... O resultado foram protestos que levaram à queima de 12 ônibus, cinco bondes, além de danos em 58 ônibus e 248 bondes... O serviço de bondes seria mantido até 27 de março de 1968, quando aconteceu a última viagem da linha entre o Instituto Biológico, na região do Ibirapuera, e Santo Amaro...




















Naqueles tempos, na região do Belenzinho, Tufão ostentava uma elegância digna dos vilões da novela "Êta Mundo Bom"...

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