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Levantamento de Caco Antibes prometia ficha corrida da atriz desde primeiro êxito na TV, "Antônio Maria"... |
A atriz Aracy Balabanian, que saiu de cena nesta semana, marcando 17 pontos no Bolão Pé na Cova, era a maior vítima das piadas internas de Miguel Falabella no "Sai de Baixo"... Frequentemente, o ator saia do texto do personagem Caco Antibes e dizia a atriz, que interpretava sua sogra Cassandra, que estava elaborando o "Dossiê Aracy Balabanian", levantando sua ficha corrida "desde a falecida Tupi, desde Antônio Maria", ameaçando revelar o que ela fazia nos bastidores de "A Próxima Vítima", afinal ele não devia respeito a uma mulher que contracenou com o Garibaldo, o pássaro gigante de “Vila Sésamo”, e volta e meia se embriagava e dançava nua "Cara Caramba Cara Cara Ô"... A biografia "Nunca Fui Anjo", escrita por Tânia Carvalho e publicada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo na “Coleção Aplauso” não é o dossiê imaginado por Falabella, porém registra passagens importantes da carreira de atriz... Antes, recorda seu nascimento e infância, explicando o porquê do título do livro... “Um dos meus sonhos era ser anjinho na festado mês de maio, mas a professora de catecismo implicava comigo e sempre colocava duas amigas minhas, lourinhas, uma com olhos azuis. Eu era lourinha também, mas tinha o nariz grande e os olhos caídos, características dos armênios. E ela dizia: Como você vai ser anjinho com esta cara de turca? Não tem anjinho turco. E sofria demais”... Filha de um casal de armênios, nascida em Campo Grande em 22 de fevereiro de 1940, Aracy era a mais nova de sete irmãos de uma família que se mudou para São Paulo a fim de que os filhos mais velhos pudessem fazer faculdade, e ela o colegial... “Um dia, o grêmio levou o Augusto Boal ao colégio. Ele estava em ‘Ratos e Homens’, peça que havia visto 20 vezes, e me pendurei nele. Foi aí que ele perguntou: Você gosta tanto de teatro, por que não vai fazer um teste para o Teatro Paulista de Estudantes? Conhecia bem o TPE, do qual faziam parte o Gianfrancesco Guarnieri, o Vianinha, a Vera Gertel, e na sexta-feira, à hora marcada, lá estava eu, certa que ia levar um bolo. Mas fiz o teste, conheci Beatriz Segall, que havia retornado ao teatro, depois de ter se casado e tido filho, e com ela aprendi muito sobre teatro e sobre a vida. Até hoje, agradeço a Beatriz por tudo o que ela fez por mim e ela sempre retruca: Você é uma exagerada. Garanto que não sou. Minha primeira peça, como amadora, foi dirigida por ela. Eu tinha 14 anos. A Beatriz era uma pessoa importante no meio e todo mundo foi ver o espetáculo. O crítico Décio de Almeida Prado escreveu: ‘Ontem, nasceu uma estrela. Guardem este nome: Aracy Balabanian’. Beatriz, Sadi Cabral, Guarnieri, Vianinha, Boal se reuniram para comentar a crítica e me disseram: ‘Nós achamos a mesma coisa, mas você tem de estudar’. E eu fui. Entrei na USP em Ciências Sociais e na Escola da Arte Dramática, a EAD. Larguei a faculdade no terceiro ano (uma besteira, devia ter me formado) e me dediquei somente à EAD. Formei-me depois de quatro anos. E foi uma maravilha! Tive os melhores professores que podia ter, em especial Dr. Alfredo Mesquita, o criador da escola, que me abriu muitas portas. Ele era uma pessoa preocupada com valores. Não podia faltar, chegar atrasado, falar mal português. O Dr. Alfredo sempre começava a aula dizendo assim: ‘Nossos maiores atores são autodidatas, ninguém fez escola, a porta está aberta’. Mas a gente sabia o quanto os autodidatas haviam suado e agora ajudavam Dr. Alfredo a levar adiante a escola. Sérgio Cardoso dava aula de maquiagem, que havia aprendido sozinho. Cacilda Becker também dava aulas. Guarnieri fazia palestras. Era verdade que, por alguns setores da esquerda, a escola era malquista. Coisa dos Mesquita – era o argumento. Dr. Alfredo, no entanto, havia colocado todo o seu patrimônio, vindo dos Mesquita e do jornal ‘O Estado de S. Paulo’, na EAD, porque a maioria dos alunos era bolsista. A escola começara em 1948 na mansão de uma amiga, próxima à dele; depois passou para o Liceu de Artes e Ofícios e depois para a USP – o que sonhava há anos – e neste momento deram um chute nele. A EAD oferecia cursos de interpretação, cenografia e dramaturgia e crítica teatral. No programa do curso de interpretação havia dicção, expressão corporal, psicologia, mímica, história do teatro universal e do teatro brasileiro, mitologia, português, preparação de um ator e comédia e drama. Fui da décima-segunda turma da EAD, de 1959 a 1962 – na época o curso durava quatro anos, depois foi reduzido para três. Eram da minha turma: Ademir Rocha, Carlos Eugênio M. Moura, Edgard Gurgel Aranha, Gilberto de Nichile, Luiz Nagib Amary, Nilson Demange, Ricardo de Lucca e o Juca de Oliveira, que não se formou. Na escola ganhei meus primeiros prêmios, como a melhor interpretação do ano em 1961 – junto com a Myriam Muniz em ‘O Defunto’, de René Obaldia– e, em 1962, por ‘Macbeth’. Até hoje, são os prêmios que mais me dão orgulho. Dr. Alfredo sempre trazia de casa um panelão de sopa. E nós, que chegávamos da escola, do trabalho, tínhamos o que comer: pãozinho, sopa e uma sobremesa. Ninguém estudava com fome. Ele era professor de tudo, a alma da escola. Sabia ensinar um ator a subir a escada como um rei e descer como um mendigo. A Maria José de Carvalho, uma louca maravilhosa que dava aulas de voz, exigia uma coisa do ator: atitude. Na hora da prova ela podia dizer: Isso não é a roupa que um artista veste. Zero. Ou ainda: O ato está correto, mas a postura está errada. Senta. Uma maravilha! Era uma mulher linda, que usava um chapelão, mulher do Diogo Pacheco e com ela aprendi muito. Décio de Almeida Prado e Sábato Magaldi foram também mestres inesquecíveis. A EAD nos deu a oportunidade de saber o que existia a ser estudado, o que era imprescindível saber. A partir daí, um ator segue pela vida .Juca de Oliveira era meu colega de turma. Fizemos uma peça juntos, de Almeida Garret. Minha mãe foi ver e saí correndo para saber o que ela havia achado. Vai em frente, filha. Vai que você tem jeito, mas aquele moço já é ator. Aquele já está pronto. E ela tinha toda razão. Era verdade. Por isso mesmo foi chamado por Flávio Rangel para fazer uma peça e saiu antes de acabar a escola. Mesmo assim, Dr. Alfredo deu-lhe o diploma. Ele concordava com a minha mãe: Juca estava pronto. Durante os dois anos que estudamos juntos, brigamos sempre pela primeira nota. O Sábato Magaldi, por exemplo, era o nosso professor de História do Teatro e de História do Teatro Brasileiro. Eu me lembro da primeira frase dele na primeira aula: ‘A organicidade do teatro brasileiro deve-se a José de Anchieta’. Em suas provas de História do Teatro ele exigia, por exemplo, que apontássemos as diferenças e as semelhanças entre textos de Molière e Racine. Eu estudava sem parar, com livros emprestados, uma loucura. No dia de uma das provas, o Juca faltou, arranjou um atestado médico, só para poder estudar mais do que eu. O professor ligou para ele: Não adiantou nada a sua estratégia, porque a Aracy já tirou 10. Você não vai poder tirar mais de 10. Saímos da escola empostados, sim, mas muito bem preparados. Patrícia Galvão, a Pagu, era ouvinte no curso do Sábato. Qualquer dúvida, ela tirava comigo. Ia para o bar, na Esquina da Av. Tiradentes, com ela, que tomava fogo paulista, enquanto eu tomava um guaraná. Todos ficavam assustadíssimos ao ver aquela mulher já velha, com o rosto e os dentes arrebentados pela polícia e aquela jovenzinha ao seu lado. Ela, até o final de sua vida, foi importante na vida cultural de São Paulo. Seu marido era redator-chefe do jornal de Santos e Pagu levava grupos, diretores, atores para se apresentarem lá. Muitos atores em Santos surgiram a partir disso. Na verdade, era um momento de muita ebulição cultural. Você ia ao MASP e podia se encontrar com Manabu Mabe, fazer uma pergunta e ele ficar conversando um tempão com você; em uma livraria, a mesma coisa, você podia topar com um escritor famoso que não se importava de res-ponder às perguntas dos jovens. No dia em que ele, o Dr. Alfredo, me convidou para ir à sua casa, com mais alguns alunos, fiquei deslumbrada. Suas irmãs moravam em uma ala e ele, em outra. No hall, que unia essas duas alas, havia um Rodin. Isso para mim era sempre um acontecimento. Ah, como sinto falta dessa época! Meu analista me disse que tenho uma nostalgia de um tempo em que era mais reconhecida. Não! O que me preocupa é que se esqueça do que foi feito neste país e como caminhamos par atrás. Não me chateio que não se lembrem que fiz ‘Antígona’ na TV ou a novela ‘Antônio Maria’ ,mas que se esqueçam que existiu uma Cacilda Becker, uma Dulcina de Moraes, um Dr. Alfredo Mesquita, uma Myriam Muniz, pessoas generosas de um tempo em que não se mediam esforços para ensinar aos outros. Sinto falta de um tempo em que o ator esperava a crítica no dia seguinte, para se orientar, ajustar, se necessário, modificar o seu trabalho. Sinto falta, ainda, da consistência daqueles tempos. Nós tínhamos nas mãos o instrumental, e isso nos fazia entender a arte e a vida. Os atores eram uma classe unida. Que participava, discutia, se insurgia contra o regime ditatorial do País. Em 1968, estava no elenco de “Feira Paulista de Opinião”, escrita por seis autores: Lauro César Muniz, Gianfrancesco Guarnieri, Bráulio Pedroso, Oduvaldo Vianna Filho, Jorge Andrade e Augusto Boal – que também dirigia o espetáculo. Nós sofremos muita pressão da censura, que demorou muito tempo para liberar a peça, o que nos obrigou a apresentá-la sem a autorização da censura, em um ato de desobediência civil. Além disso, íamos a todos os teatros e interrompíamos a apresentação, dizíamos que estávamos censurados e mostrávamos um trechinho do ‘Feira Paulista de Opinião’. Foi importante demais essa movimentação e o espetáculo acabou liberado. Finalmente, estreamos, após meses de espera da decisão da censura, no Teatro Ruth Escobar. Nos apresentávamos na sala de baixo e na sala de cima estava a montagem de Roda Viva, do Chico Buarque. Naquela época, a primeira sessão era bem cedo, às quatro da tarde e a outra às nove. Tínhamos tempo de fazer um lanche, ficar lendo um livro, perambulando pelo teatro. De repente, ouvimos um enorme barulho, subimos e encontramos o teatro de cima totalmente arrebentado. O pessoal do Comando de Caça aos Comunistas – CCC, havia atacado o elenco de Roda Viva. Assim que o espetáculo terminou,eles subiram no palco, bateram nos atores, destruíram todo o cenário, a aparelhagem de som. Depredaram tudo. A classe se mobilizou imediatamente. Cacilda Becker, a grande dama do teatro brasileiro, foi avisada em uma festa e imediatamente se reuniu com os colegas e ficou decidido que ela iria à casa do governador Abreu Sodré. Eu fui com ela. Ele morava ainda no Jardim Europa. Batemos em sua porta, os seguranças tentaram impedir, o governador abriu a janela e perguntou o que estava acontecendo e Cacilda, com sua voz peculiar, respondeu: ‘O teatro brasileiro está sendo agredido. E estava mesmo e lutar era preciso. Depois da agressão do CCC, em uma sessão do ‘Feira Paulista’, diversas cápsulas de gás lacrimogêneo haviam sido espalhadas pelo chão e foram estouradas, quando o público saiu e pisou nelas. Foi preciso interditar o teatro por uns dias. Eram tempos difíceis, mas a classe, como disse, era unida, coesa, engajada na luta contra a ditadura. Em todas as passeatas, lá estavam os atores na linha de frente. Quando avisava para o meu pai que ia participar de uma manifestação, ele só dizia: ‘Se vista bem e leva um dinheirinho no bolso’. Era sua forma de dizer que me apoiava. Hoje, ator quer ter Audi, Pajero, ganhar dinheiro, ser capa de revista e ter um assessor de imprensa. E só. Um ego do tamanho de um bonde. Nossa, que expressão de época! Ninguém sabe nem mesmo o que é bonde... Outro dia, dei uma bronca em uma atriz que adoro, a Taís Araújo, porque ela me ligou aos prantos que estava sendo seguida pela imprensa. Perguntei por que ela estava se escondendo, se é solteira e o namorado também. Não seria muito mais fácil tirar a foto de mãos dadas (beijo, não!) e pronto, ir embora sem ninguém seguindo? Aliás, dei uma segunda bronca quando vi uma entrevista sua no programa da Marília Gabriela. Eu chamei o Ulysses Cruz para dirigir a minha peça porque queria fazer teatrão. Disse para ela que, primeiro, ela devia saber o que dizia a expressão teatrão, antes de usá-la. Foi a turma do teatro político, engajado, que chamou todo o resto de teatrão. O Ulysses é de outra geração, nem do teatro político, nem do teatrão. Acho que não perco a mania de tentar ser meio professora, mentora, assim como muitas pessoas o foram para mim. Assim como não deixo de seguir as pessoas que admiro e puxar uma conversa com elas. Fiz isso, quando estava gravando Sai de Baixo, e enquanto aguardava na porta do teatro, vi a Lygia Fagundes Telles passar. Saí atrás dela, falei da minha admiração, conversamos sobre Dr. Alfredo, de quem ela era amiga, e tenho certeza que aprendi muito e cresci como pessoa e como atriz depois desta conversa. Sempre reajo quando alguém diz: Ah, mas não tinha ambiente e por isso não fiz teatro. Eu não tinha ambiente algum, era filha de imigrantes, que eram contra a minha opção, tive de lutar bastante, não conhecia ninguém, mas fui buscar o meu sonho, o meu desejo. E encontrei muita gente bacana que me ajudou. Um dia estive em Campo Grande para inaugurar o Teatro Aracy Balabanian – e que ator não se sentiria honrado com isso! E contei a história de como queria ter sido o anjinho e que ninguém devia abandonar seu sonho. Tempos depois, quando a TV Morena, de Campo Grande me pediu uma mensagem de Natal, insisti na mesma tecla: Não abandonem sonho algum. O que você quiser hoje, lute que conseguirá amanhã. Eu queria muito ser anjinho aqui em Campo Grande. Fui para São Paulo, estudei, batalhei, fiz milhares de personagens e ontem à noite fui a Virgem Maria, tendo ao meu lado Walmor Chagas. E o Arcebispo do Rio de Janeiro, que estava lá me assistindo, me disse que Nossa Senhora talvez tenha sido armênia. Em todas as imagens medievais, Nossa Senhora tem os olhinhos caidinhos, o rosto comprido que nem o meu, e ele achou que eu estava até parecida com Nossa Senhora! Não fui anjinho, porque era turca, mas fui a Virgem Maria por ser armênia. Então, vale a pena lutar. Realmente acredito nisto”... Da atividade teatral, Aracy destaca a convivência com o diretor Ademar Guerra e a atriz Myriam Muniz... “Na mesma temporada de ‘Hair’, inventei uma bossa para o meu personagem: a figurinista tinha-me vestido com uma saia-calça, botas, camisa amarrada e o cabelão solto. Um dia, amarrei uma faixa na cabeça e fiz umas tranças. Ele não teve dúvida: Você estava pensando em fazer uma índia apache? Deu errado. Virou odalisca. Aprendi demais com Ademar. Ele faz muita falta, porque as pessoas que sabem, hoje em dia, não estão muito dispostas a ensinar”... “Foi Myriam que me ensinou muita coisa sobre avida. Até coisas íntimas. Um dia, perguntei qual era a diferença entre uretra e vagina (jamais teria coragem de perguntar à minha mãe ou às minhas irmãs) e ela na hora pegou um espelho, fez com que me olhasse bem, enquanto me dava todas as explicações. Ela achava que eu era melhor atriz que ela. Imagina! Ela era soberba. Fizemos ‘Os Persas’ na EAD. Ela era a rainha e eu, responsável pela sonoplastia, que fazia com uns tímpanos. Era o momento de retribuir tudo o que ela já me dera, queria que fosse maravilhoso, melhor do que ela fazia tantas vezes para mim. Eu bati nos tímpanos com tanta força, que a baqueta foi parar no meio do palco e quando a peça começou estava me arrastando para recuperá-la. Ríamos muito dessa história juntas, e ela acabou colocando em seu livro”...
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Aracy protestou contra censura ditatorial, enfrentou e superou rótulos, pediu cadeia para o genro Caco... Ops!!!... |
O livro ganha contornos de dossiê quando Aracy comenta os estigmas que enfrentou durante sua trajetória artística... “Burguesinha, combinadinha e, pior de tudo, virgenzinha – estes foram rótulos que me colocaram no início da minha carreira. A Cleyde Yaconis me chamou de pequena-burguesa quando cheguei de carro no teatro. Ela também vivia implicando com as minhas roupas: ‘Tudo combinadinho, ai, que horror!’ E eu passava horas em casa, olhando para o armário e tentando-me desfazer, só para agradar a Cleyde. Era difícil, porque comprava uma blusa já sabendo que ela ia combinar com a saia e o sapato que estavam no armário. Eu sempre fui muito discreta, como a Célia Biar, que achava uma das mais elegantes colegas nossas. E ela dizia assim: ‘Eu sou clássica, porque sou tímida’. Eu me lembro que uma vez minha mãe me deu um dinheiro para comprar uma roupa, eu comprei um vestidinho de lã, Príncipe de Gales. Ela me perguntou se não tinha uma coisa mais alegrinha, mas era assim... Até hoje, sou discreta, uso diversos conjuntos de calça e camisa e estou sempre bem arrumada. O Miguel Falabella que diz que tenho conjunto para tudo, para ir a velório, ao Canecão. E ele, de certa forma, tem razão. Olha que a Cleyde tentou! A minha virgindade, porém, foi o que mais incomodou à classe artística. Em ‘Os Ossos do Barão’, no ensaio geral, todos elogiaram muito o meu trabalho, mas fizeram uma ressalva: Ele não chegava ‘lá’, não descia até o útero, porque, é claro, eu era virgem. Saí, tarde da noite, pensando sobre o assunto e até cogitei dar para o primeiro que passasse, só para melhorar a minha interpretação. Afinal, queria estar bem na estréia! Em ‘Vereda da Salvação’, a controvérsia continuava. Fiz a peça, mas na hora do filme não deixaram que eu interpretasse a personagem, porque faltava tesão, vivência – afinal continuava virgem –e também por não ter cara de cabocla brasileira. Isto, não tinha mesmo, mas todo mundo sabe que a arte faz milagres, como provei outras vezes... Até me chamaram para fazer o teste, mas o Jorge de Andrade me desaconselhou a ir, porque não seria escolhida mesmo e estava sendo usada para valorizar e melhorar a interpretação dos outros. Fiquei frustrada, chorei muito. Depois de um tempo, o Anselmo Duarte me chamou para dublar o filme. Deixei-o esperando e meu pai achou um absurdo, como eu podia fazer isso com uma pessoa tão importante? Quando falei com ele, recusei o convite. Por quê? A minha voz é de virgem, a interpretação é de virgem, porque eu continuo virgem. Achava tudo isso uma loucura das pessoas. Tantas haviam dado e nem por isso eram boas atrizes, mais talentosas. Em ‘Marat/Sade’ eu dançava, cantava e... fazia sexo em cena. Era uma cena forte, maravilhosa e muita gente não entendia como conseguia fazê-la sendo... virgem. Uma vez me perguntaram como eu realizava melhor esta cena do que outra atriz, mais experiente na vida... Simples, penso em todas as coisas que me dão prazer. Em ‘Hair’, o Ademar me deixava em pânico, na época dos ensaios, com a cena do nu, porque dizia que o Décio de Almeida Prado, o Sábato Magaldi, todos os críticos e toda a plateia iam ficar dizendo: ‘Olha os peitinhos da Aracy’. Eu queria morrer. Não fiquei nua em ‘Hair’, mas não por isso, mas porque o Ademar resolveu deixar os atores mais conhecidos vestidos em cena. No fim, todo mundo enlouqueceu e tirou a roupa. O elenco todo teve problemas de voz e um médico tascou cortisona na gente. Juntando com o que todo mundo tomava, foi um tal de tirar a roupa...Por que era virgem, em tempos em que era politicamente incorreto não fazer sexo? Talvez por respeito aos meus pais, porque não queria magoá-los de jeito algum. Talvez essa fosse a desculpa que desse para mim mesma, enquanto aguardava chegar um cara legal, de quem eu realmente gostasse. Confesso que sentia um pouco de vergonha da minha virgindade, ia a uma festa, nem sabia muito bem onde sentar, e com quem conversar. Aí, comecei a flertar comum ator e tudo aconteceu como achava que iria acontecer. Agradeço até hoje a ele, que foi delicadíssimo. Dei para um ator de segunda, coadjuvante, que jamais me perdoou por eu ser uma estrela. Nossa relação durou dois anos, mas quando transpirou não foi adiante. Aí, fui dando, dando, desvirginando uns e outros, sempre adorei homem. Mas nunca dei em troca de trabalho. Um diretor, que já morreu – mas prefiro não dizer o nome, porque não gostaria que seus filhos lessem – se vingou até o resto da vida por não ter dado para ele. Ele vivia me cercando, aparecia no teatro, arrumava convites para as festas que eu ia, me dava carona. Um dia deixei bem claro: ‘Posso até dar para você, mas não vai ser para conseguir um contrato’. Ele disse que eu era muito pretensiosa e jamais me perdoou. Uma vez, ele me chamou para uma reunião de elenco e, na hora, me pediu que fosse na sua sala. Pensei bem e acho que você não serve para o papel. E tive de ir embora na frente de todo o mundo e dar o meu lugar para a Tereza Raquel. Veja o que me custou ter ferido o ego desse diretor. Eu podia ter disfarçado, enquanto ele me paquerava, ir cozinhando-o, neste mês, não, quem sabe no próximo. Mas sou assim, adoro colocar tudo em pratos limpos. E tenho de pagar o preço. Nada foi muito fácil para mim, embora pareça o contrário. Sempre enfrentei lutas e cobranças. Depois da virgindade, veio a questão do casamento. Até hoje, sempre aparece alguém para perguntar porque eu não me casei. Outro dia foi uma jornalista, com uma voz de jovenzinha, que me ligou fazendo essa pergunta. ‘Ora, minha filha, me respeite, sou uma senhora. Isso não se pergunta para uma mulher da minha idade. Oque ela esperava que eu dissesse, que tenho problemas sexuais?’ Para muita gente, porém, isso é um problema. Acho que, às vezes, até para o meu analista. Na verdade, namorei muito, me senti casada diversas vezes, mas como sempre fui discreta, as pessoas não ficaram sabendo”... Uma exceção a essa norma aconteceu em agosto de 2020, quando o ator Antônio Fagundes, participando do programa “Que História é Essa, Porchat”, revelou que namorou com Aracy durante um ano, na época em que ela fazia a novela “Antônio Maria”, em 1968, quando tinha 19 anos de idade... De início, a atriz negou o relacionamento, porém em seguida afirmou que foi um romance breve, agradecendo a Fagundes pelo apoio que recebeu quando perdeu a mãe... “O Ney Latorraca brinca comigo enumerando as iniciais dos meus namorados e garante que dá um alfabeto inteiro. Jamais me casei da maneira convencional, e não conseguiria fazê-lo, sou muito independente e jamais abriria mão de muitas coisas, da minha carreira, por exemplo. E, confesso, é difícil ter um relacionamento quando se é atriz. Quem é do meio, compreende. Quem não é, não compreende. Vivi as duas situações. O primeiro namorado que não suportava que eu fosse uma estrela, e já falei sobre isso. O último, que era uma estrela na sua profissão, um cirurgião, mas que no fundo não compreendia a minha independência. Aliás, êta classezinha preconceituosa! Sempre que ia a alguma festa com ele, era cantada por todos os outros médicos. É atriz, só pode ser puta. Nunca fui santa, mas também nunca fui puta. Quando me perguntam se sacrifiquei alguma coisa da minha vida pela carreira, digo que sim. É inevitável, não? Engravidar, por exemplo, na minha época significava não trabalhar. Se não estivesse casada, tendo alguém que me provesse, como seria? A profissão não era regulamentada, não tínhamos bons salários, licença-maternidade e direitos. Acho que esse foi um dos motivos, e até fiz um aborto pensando em quão problemática seria a minha vida com um filho, tendo que trabalhar muito e sendo mãe solteira. Fiz um segundo aborto, porque meu filho teria um pai que não desejaria para ninguém. Em uma época, pensei em adotar uma criança. Minhas irmãs caíram de pau em cima de mim. Como eu poderia pegar uma criança, que já fora rejeitada, para ser indesejada pela minha família, a quem era tão ligada? De certa forma, transferi o afeto para os meus sobrinhos. Assim que meus pais morreram, dois sobrinhos vieram morar comigo. Um dormia às quatro da manhã e o outro acordava às seis. Era uma confusão quando queria transar com o meu namorado. Tinha de pedir pelo amor de Deus para um dormir e o outro não acordar. Mas foi por causa deles que aprendi a cozinhar. E sou uma ótima dona de casa. E exerci meu lado maternal, que é forte e evidente. Ainda hoje, continuo exercendo. Tenho uma afilhada linda, Antônia, a quem me dedico muito. Meu analista diz que ela é a pessoa que mais vai me entender. Veja só, não fui mãe e agora sou avó. Posso dizer que fui amante, mulher e mãe de muita gente. Posso dizer, também, que fui cobrada por não ser mãe. Não me deixam em paz. Uma vez, estava no corredor, indo para a maquiagem, e ouvi uma atriz jovem, bonitinha, reclamando com a maquiadora (atenção, eu sou a rainha da equipe): ‘Pára de falar de Aracy, Aracy. Aracy Balabanian já era!’ Entrei e rebati: ‘Tomara que, quando você for, chegue a ser como eu’. Ela me jogou na cara a sua maternidade: ‘Me respeite, porque sou mãe’. ‘Sem problema, minha filha, a puta também pariu’. Quase fui aplaudida pelos camareiros e maquiadoras. Veja bem, ela usou contra mim e a seu favor o fato de ter tido filhos. Não é uma loucura? Por fim, além de virgem, sem filhos e solteirona, às vezes as pessoas dizem que sou homossexual. Foram falar para a Guta, a diretora de elenco da Globo, e ela me chamou para perguntar. A primeira pessoa que saberia seria você, para quem não escondo nada. Parênteses: a Guta foi uma pessoa muito importante na minha vida, alguém que tinha um amor incondicional por mim e por isso mesmo eu a chamava de mãe. Se chegasse para ela e dissesse que tinha virado sapata, ela aceitaria na hora. Mas a verdade é que jamais me interessei por mulheres. Sou freudianamente ligada ao meu pai, à virilidade. O que me atrai é a diferença, não a semelhança. Já até pensei no assunto, arrisquei bater umas pestanas para algumas mulheres que me assediaram, mas não passou disto, não dá mesmo. Enfim, vou sobrevivendo aos rótulos. Buscando ser honesta comigo mesma e fiel à grande paixão da minha vida: a arte. E digam o que quiserem! Nunca fui anjo, mesmo! Acho que, ao longo destes anos, muita gente não me perdoou. Quando estreei ‘Boa Noite, Mãe’ em São Paulo, um jovem jornalista que, provavelmente, esqueceu tudo o que havia feito, escreveu assim: ‘Tragam os lenços, porque Aracy Balabanian está chegando. Depois das lágrimas, a pizza’. Sou tratada sempre como a atriz global que faz papéis de sofredora. Novamente, um rótulo, só um rótulo. Em algumas épocas, me irritei muito. Agora, amadureci. Afinal, não é nenhum Décio de Almeida Prado, Sábato Magaldi, Bárbara Heliodora que escreve essa besteira. São dois ou três bobos, que ganham uma merreca e não sabem respeitar a história de uma atriz’... Lamentavelmente, o questionamento do fato de Aracy não ter sido mãe acabou sendo levado mais em conta que o legado da atriz no obituário publicado pela “Folha de S.Paulo”... “Aracy Balabanian fez aborto e não quis se casar nem ter filho para cuidar da carreira”... Perto desse título devastador, as denúncias prometidas pelo genro de Cassandra no “Sai de Baixo” são o que sempre foram, uma brincadeira, porém levada com leveza e não fazendo prevalecer o preconceito...
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Caco não dava valor a Garibaldo, porém seu amor era disputado por Aracy e Sônia Braga em "Vila Sésamo"... |
O primeiro papel de Aracy em novelas foi Lúcia, em “Marcados pelo Amor” (1964), na TV Record, um ano antes da Alba de “Um Rosto Perdido” (1965), na TV Tupi - no livro, que não menciona a produção da Record, ela relata o teste para contracenar com o protagonista vivido por Hélio Souto, na mesma época em que participou da montagem de “Antígona” no “TV de Vanguarda”, dirigido por Benjamin Cattan, exibida no Natal de 1965 - interpretando em seguida Matilde em “O Amor Tem Cara de Mulher” (1966), Helena em “Sublime Amor” (1967), Nellie em “Meu Filho, Minha Vida” (1967), Jane em “Angústia de Amar” (1967) e seus dois desempenhos mais consagradores, Heloísa em “Antônio Maria” (1968) e Branca em “Nino, o Italianinho” (1969) – antes de assinar com a Globo, interpretou Isabel em “A Fábrica” (1971)... “Entrei na televisão para fazer teatro. Antígona fez tanto sucesso, que a montagem foi convidada para uma temporada no Teatro Municipal. Foi lá que meu pai me viu pela primeira vez – e já contei essa história. E tenho certeza de que ele sentiu muito orgulho de mim, porque era um contador de histórias e eu estava ali, no palco, contando uma linda história de amor pela justiça e liberdade. Segui na TV Tupi em novelas, até explodir no Brasil inteiro em Antônio Maria, com Sérgio Cardoso, em 1968. O sucesso foi tão grande, que ganhávamos uma fortuna nos apresentando pelo Brasil afora. Começamos até a ensaiar peças curtas para apresentar. Inventamos uma espécie de 'talk show', no qual nós dois nos revezaríamos fazendo perguntas um para o outro. Nada disso funcionou: o público queria ver o motorista português e sua amada senhorinha Heloísa. Eu colocava o vestido mais lindo que podia conseguir emprestado – Dener e outros estilistas me vestiam, porque sabiam que isso dava retorno –,me maquiava toda, arrumava o cabelo maravilhosamente e nós fazíamos a seguinte cena: eu entrava de costas, com um cigarro na mão, dava uma tragada e um passo a cada meia hora. Sérgio, do outro lado do palco, dizia senhorinha Heloísa e se encaminhava para mim, com passadas lentíssimas. E eu, devagarzinho, me aproximava dele. Demorava horas... Nós nos aproximávamos até o momento culminante: o beijo. Que era muito longo. Sérgio cochichava: Controle, aguenta mais um pouco que a segunda fila ainda não teve orgasmo. E era isso mesmo: um grande orgasmo coletivo. As pessoas urravam, aplaudiam freneticamente e nós íamos embora. Um pouco culpados, é claro, por não termos apresentado um espetáculo de verdade. Eu, que nunca havia sido padrão de beleza, me transformei na mocinha do Brasil, na protagonista das novelas. Não fui preparada para ser escolhida pelo mocinho. Ao contrário, devia ser aquela que ficava no canto, sofrendo, enquanto o mocinho entrava na igreja com a mocinha bonita. Mas subverti tudo. Como jamais acreditei que existam papéis maiores e papéis menores – e não fui eu quem disse isso, só encampei – e sim atores que sabem ou não fazer seus personagens, fui abrindo meu caminho. E chegando ao altar com os mocinhos. Quando fui fazer Nino, o Italianinho, meu personagem era manca. Perguntei: Mas não vai ser aquela manquinha que vai se operar, sarar e casar com o mocinho? Não, ela não sara. Fui a um ortopedista, que era cunhado do Raul Cortez, ele me ensinou tudo sobre um problema inoperável, mandou fazer uma bota ortopédica que compensasse o fato de eu precisar mancar, para não machucar a minha coluna e comecei a fazer o trabalho. Acabei linda, maravilhosa, manca, de branco, entrando na igreja com o Juca de Oliveira. Acho que é uma mistura de talento com muito trabalho, suor. Fico meio louca quando estou fazendo um trabalho. No meio de Nino, tive um reumatismo infeccioso. Precisei tratar o reumatismo, para poder operar as amídalas, que eram as causadoras de tudo. Voltei com uma cara de lua, porque estava tomando cortisona. Vi uma atriz com as minhas roupas – não havia estrutura de figurinos, a gente pegava roupas em butiques– com o cabelo igual ao meu, para aproveitar que eu estava doente. Podia ter aproveitado bem, mas ninguém sabe quem é ela... Eu ainda achava, mesmo com tanto sucesso, que a televisão iria e viria! Uma coisa provisória. Fiz mais algumas novelas na Tupi e a derradeira foi A Fábrica. No dia do último capítulo, apareci no Jornal Nacional assinando o meu contrato coma Globo. Segundo o Homero Icaza Sanches, em comentário com o Boni: Tiramos o Juca, o Sérgio, agora só falta trazer a Aracy que a Tupi acaba. Não era verdade, porque tinha muito ator bom lá, mas ele insistia que morava com duas velhinhas que só veem a Tupi por sua causa. Fiz uma participação em O Primeiro Amor, novela com o Sérgio Cardoso (depois substituído por Leonardo Vilar, na foto ao lado), que já tinha a sua protagonista, e entrei como uma psicóloga que chegava não sei bem de onde. O Boni queria marcar a minha entrada na Globo, porque estava destinada mesmo para Vila Sésamo, que, nos primeiros dois anos, era uma co-produção entre a Globo e a TV Cultura e era gravada em São Paulo. Cláudio Petraglia e Ademar Guerra implantaram o seriado, fizeram os testes, gravaram o piloto, que precisava ser aprovado pela instituição norte-americana, detentora dos direitos. Somente os programas brasileiro e dinamarquês tiveram sinal verde. Amei fazer Vila Sésamo. Foi, definitivamente, um marco na minha vida. Não era um programa que eu gravava e ia e ia embora. Semanalmente, era acareada por pedagogos, psicólogos, professores, que se asseguravam que estávamos envolvidos e coerentes com a proposta da série. Aprendi muito com as crianças com quem convivi. Na primeira fase, eram crianças de comunidades carentes que participavam do programa. Para eles, eu era a Gabriela. Eles pediam para fazer xixi, brigavam, perguntavam coisas, tinham fome e nós resolvíamos o problema na hora. As crianças não sabiam o que ia acontecer. Nós tínhamos um roteiro básico e íamos nos adaptando ao momento. E eram crianças que reagiam de uma forma especial, pela própria vivência. Uma vez, estava explicando que eles deviam lavar as mãos, porque senão os bichinhos entravam dentro da gente... E um virou: E aí a gente morre, né? Olha,que dramático! Um outro contou a história que um dia a mãe havia soltado a sua mão no meio da rua. Tentei contornar, disse para a classe que talvez ele tivesse largado a mão da mãe. Não teve jeito: Foi ela que me soltou mesmo na rua. rua. Eu poderia ter feito Vila Sésamo pela minha vida toda. Muitos anos depois de participar do Vila Sésamo, quando viajava pelo Brasil em excursões, descobri que tinha uma turma, de uma determinada faixa etária, que havia crescido e continuava me adorando. Eu fui a Xuxa da vida deles. Fui até apresentada assim em um programa no Nordeste. E agora, a paixão da minha vida, a Xuxa. Olhei para os lados e demorei a descobrir que a Xuxa era eu. E todo mundo foi chegando também na Globo. Não tenho arrependimento algum pelas escolhas que fiz. Acho que mantive a minha integridade, o meu caráter e até mesmo o meu nome. Muitos tentaram mudá-lo quando entrei para a televisão: Balaba, Bala – foram algumas sugestões. Continuei uma Balabanian”... Embora em “Os Trapalhões” Renato Aragão chamasse a atriz de “Aracy Balangandan” e em “Chico City” o personagem Bozó se referisse a ela como “Aracy Blablablanian”... Na Globo, a atriz interpretou Giovana em “O Primeiro Amor” (1972), Tereza em “A Corrida do Ouro” (1974), Cristina Lemos em “Bravo” (1975), Violeta de “O Casarão” (1976), Milena de “Locomotivas” (1977) – “em seguida, viajei pelo Brasil com o Walmor Chagas e a Lucélia Santos. Nós tínhamos feito um sucesso enorme na novela ‘Locomotivas’ e queríamos fazer uma excursão, mas não gostaríamos de fazer mais um espetáculo comercial. O Ademar nos trouxe um texto do Oswaldo Mendes, ‘Brecht segundo Brecht’. As pessoas iam ver o trio da TV e encaravam um Brecht. Foi um sucesso enorme, ganhamos muito dinheiro, mas eles decidiram parar. Os deuses do teatro se vingaram – e é sempre assim, quando se despreza um sucesso, pode ter certeza, vai perder em um fracasso todo o dinheiro ganho. Aconteceu conosco. Todos os três investiram em novos projetos que não deram certo. Eu, porém, não me arrependo. Produzi a peça ‘O Último Dia de Aracelli’, de Marcílio Moraes, baseada no livro de José Louzeiro. Era uma peça-reportagem sobre o caso da menina Aracelli, que, aos 9 anos, foi drogada, estuprada e silenciada em Vitória, no Espírito Santo – Teca de “Pecado Rasgado” (1978), a cobradora de ônibus Maria Faz Favor, de “Coração Alado” (1979), Vera Mesquita em “Brilhante” (1981), Helena Aranha Muniz em “Elas Por Elas” (1982) – na nova versão da trama, com estreia prevista para outubro, a personagem, que teve seu nome mantido, vai ficar a cargo de Isabel Teixeira - uma participação especial como Greta em “Guerra dos Sexos” (1983), Ana em “Transas e Caretas” (1984), Marta Morgado em “Ti Ti Ti” (1985), e dois papeis em novelas da Manchete, Lúcia em “Mania de Querer” (1986) e Úrsula em “Helena” (1987), retornando a Globo numa atuação dupla em “Que Rei Sou Eu” (1989), como Lenoir Gallard e Maria Fromet – Aracy conta no livro que só foi ter contrato de longa duração com a emissora carioca da região do Jardim Botânico depois que um incêndio destruiu seu apartamento na região da Gávea, também no Rio de Janeiro... Também cita as parcerias televisivas mais marcantes, como Sérgio Cardoso – em “Antônio Maria” e “O Primeiro Amor”, onde o ator saiu de cena durante a exibição da novela, sendo substituído por Leonardo Villar, Juca de Oliveira – em “Nino, O Italianinho” e nas agitadas e divertidas gravações de “Pecado Rasgado” em Paris – Carlos Alberto em “Bravo”, Mário Lago e Paulo Gracindo em “O Casarão”, Jardel Filho em “Coração Alado”, Jece Valadão em “Transas e Caretas”, Lima Duarte em “Da Cor do Pecado”... E relata de que forma Silvio de Abreu lhe deu um personagem memorável em “Rainha da Sucata” (1990)... “De certa forma, acho que somente um amigo como o Sílvio de Abreu podia me dar uma personagem tão genial como a Dona Armênia, em que pude mostrar todo um outro lado meu. Nada de boazinha, nem de mazinha. Uma pessoa louca, cheia de contradições, com um amor infinito e uma ‘garra’ que só os imigrantes podem ter. No começo, ela ia ser húngara e nos inspirávamos na Márika Gidali, uma mãezona, que adotou cinco filhos, cria os filhos dos filhos, fala com enorme sotaque. Aí, o Sílvio sugeriu: ‘por que não armênia?’ Entrei de cabeça, comecei a pensar no tipo, treinar o sotaque, me lembrar da minha infância. Começamos a gravar, numa quarta-feira de cinzas, a novela A Rainha da Sucata. Na hora da gravação, o Jorge Fernando me disse: ‘Aracy, vamos tirar este sotaque?’ Eu havia estudado o carnaval inteiro e pedi a ele, então, um tempo, precisava refazer na minha cabeça as 30 cenas que havia ensaiado. ‘Então, faz com sotaque!’ Aquelas coisas que acontecem na TV Globo. Antes de chegar a hora do almoço, percebi: vai ser um sucesso. Quando trocava de roupa, os faxineiros, as maquiadoras, enfim, a estiva entrava no estúdio e morria de rir. Como brincava o Fernando de Souza: ‘Aracy é a rainha da senzala’. E ele tinha razão. Gosto da plateia, mesmo em televisão. As pessoas no estúdio são o meu termômetro. Gosto de interpretar para eles e ver a reação. Faço deles a minha plateia. Percebo quando o estúdio começa a ferver e sei que estou no caminho certo. Como também sei quando a técnica está desatenta e não me sinto confortável. A colônia armênia não gostou da Dona Armênia, porque mostrei um lado chato dela, meio pentelhona com os filhos, com o mundo. Um dia, eu estava dando uma entrevista para o Fantástico, chegou um armênio do meu lado e começou a esbravejar: ‘Você é um ignorante, não conhece como armênio é. Você é muito burro, muito burro’. A mulher se meteu e mandou o marido calar a boca: ‘Fica quieta’. Eles falavam exatamente igual a Dona Armênia, trocando todos os gêneros. Foi uma cena antológica, pena que a câmera não registrou. Tudo o que fiz tinha um fundamento. Aprendi a ler e escrever em armênio e jamais me esqueci da música da língua e do jeito que meus pais falavam. O Sílvio gostou tanto do sotaque da Dona Armênia que passou a escrever do jeito que ela falava. Eu pedi pelo amor de Deus que ele parasse, porque não decorava com sotaque, mas o colocava na hora. Mas agora só a vejo com sotaque. Não tem jeito! E assim foi para sempre: Dona Armênia já vinha com sotaque. O ‘na chon’ da dona Armênia virou sucesso nacional. Não era um bordão, que muitos atores e comediantes adoram, mas um jeito armênio de dizer a terminação ‘ão’. Era de verdade. E todo mundo dizia ‘na chon’. Uma loucura. Uma vez gravei no alto de um prédio na Avenida Paulista e uma multidão gritava embaixo: ‘Na chon. Na chon. Na chon’. O Sílvio implorava que eles parassem porque, na trama, as pessoas que estavam embaixo nem sabiam quem era a Dona Armênia. Foi uma enorme confusão, o Jorginho Fernando em um helicóptero, sem conseguir gravar, porque ninguém conseguia emudecer a multidão. E eu lá, enlouquecida, no alto da Avenida Paulista. Quando estava no auge do sucesso, no meio da novela, quebrei o braço. Usava um colete de gesso e na mesma hora inventei um xale com um broche para a personagem. O Sílvio me ligou e eu disseque havia encontrado uma solução para a personagem. Ele ficou furioso: ‘Não quero saber disso, preciso saber como você está’’. E criou cenas geniais para justificar o meu gesso, as filhinhas caíram de pára-quedas e ficaram engessadas também. Só que eles sararam e eu, não. E dizia para o Moreira, criado pelo Flávio Migliaccio: ‘Não vai tirar, custou muito cara. Vou aproveitar mais um pouquinho a dinheiro que gastou’”... Em 1991, Aracy fez Dona Paquita em “Felicidade” (1991), reviveu Dona Armênia em “Deus nos Acuda” (1992), foi Rosário Pires em “Pátria Minha”, participou de “Caso Especial” (“A Desinibida do Grajaú”, “Feliz Aniversário”), teve uma pequena participação em Engraçadinha (1995) e viveu Filomena Ferreto em “A Próxima Vítima” (1995)... Seu comentário sobre a trama e a personagem em nada lembra as histórias escabrosas de bastidores prometidas por Caco Antibes, “uma mulher dura, como só as irmãs mais velhas, que carregam o peso da família, sabem ser. Ela a única das Ferreto que ainda conservava o sotaque, que se aproximava da Itália. A babá da Maria Bonomi dizia: ‘Filomena não é má, ela é giusta’. Ela sabia que a Filomena tinha um imenso amor pela sobrinha, sua afetividade podia ser canalizada de forma errada, mas existia. Ah, como gosto das personagens meio mazinhas... De boazinha basta o que a gente tem que ser na vida!!!”... Em 1996, surge o papel mais lembrado pelo público, o de Cassandra Matias Salão em “Sai de Baixo”, a socialite falida, viúva do brigadeiro Salão, que vai morar de favor no apartamento do irmão, Vanderlei Matias (Luiz Gustavo), acompanhada da filha Magda (Marisa Orth) e do genro Caco Antibes (Miguel Falabella)... “’Sai de Baixo’ foi uma experiência maravilhosa na minha carreira. Durou seis anos, mas eu faria bem mais tempo. Um dia, a Fernanda Montenegro me disse: ‘Chega! Já brincou muito. Tem coisas mais sérias para fazer: ‘Medéia’, ‘Fedra’’. Tônia Carrero, que estava do lado, completou: ‘Ah, ainda bem que você está falando, porque se falo ela acha que é bobagem’. Mãezonas mesmo. Entendi como um grande carinho, preocupação, como se eu ainda fosse aquela menina que elas viram estrear. Hoje, ninguém se preocupa com ninguém... Fui muito criticada por todos, claro, ainda mais porque não tinha graça alguma. Eu não sabia fazer, só ficava rindo dos outros. Um dia, falei para o Daniel Filho que gostaria de sair do programa, porque não sabia competir, não conseguia fazer direito. Ele mandou que eu fizesse o que sabia: ‘Você está achando engraçado, então ria’. Foi um toque fundamental. Aceitei a espontaneidade e comecei a rir, quanto tinha vontade, daqueles besteiradas. Uma vez o Miguel (Falabella) me fez uma homenagem, uma declaração: ‘Ela, além de ser muito generosa, é uma malandra sem-vergonha, porque é ela que encerra a piada que faço’. Não fazia conscientemente isso, mas ele tinha razão. Nos dias em que eu estava brigada com ele, ofendida, o público também se sentia ofendido. Se dava risada, o público ria mais ainda. O Miguel fazia loucuras em cena. Soprava no meu ouvido o texto, beliscava a minha bunda. Um dia, estavam sentadas na primeira fila minhas duas irmãs mais velhas. Ele me levou para a frente do palco e perguntou para a plateia se eles sabiam como eu era chamada na escola. E arrematou: ‘Pizza gigante, dava para oito ao mesmo tempo’. As minhas irmãs abaixaram a cabeça. Não satisfeito, ele continuou: Produção, ‘tira estas velhas chatas aqui da frente porque elas não querem rir de nada’. Murmurei entre dentes. ‘Miguel, para, são minhas irmãs’. Elas ficaram chocadíssimas, mas foram elegantes: ‘Ele brinca assim, porque gosta de você, não é querida?’ Foi terrível. E a história do cabeção? Até hoje não posso sair com o cabelo solto, arrumado. Culpa do Miguel. Eu já tinha feito um trabalho com ele e a gente tinha se gostado muito, mas nossa amizade se consolidou em Sai de Baixo. Do Luiz Gustavo já era amiga há anos; com a Marisa já havia feito novela e sempre gostei dela; do Tom eu pensava que era amiga, mas vi que não era possível. Nós, atores, não podemos ser amigos de alguém que larga um espetáculo no meio. Isso é imperdoável. Ele jogou o boné literalmente. Despediu-se na hora da gravação, jogando o boné para a plateia e indo embora... Eu gostava da interação plateia/palco que havia em Sai de Baixo. Era uma mistura de teatro e televisão. Nós fazíamos cada programa duas vezes, com plateia, que depois eram editados. Convites eram distribuídos e, no dia, formavam-se filas gigantescas, esperando desistências. Um dia, convidei um motorista de táxi, mas ele falou: Tenho de falar com a minha mulher, porque ela tem de se arrumar, minhas filhas vão querer pôr roupa boa também. Ele acabou indo em outro dia e me mostrava da plateia, todo orgulhoso, as filhas, arrumadíssimas. Não sei se sou muito boba, acho que sou, porque era a única que queria continuar. Sentia-me no melhor dos mundos. Morava alguns dias da semana em São Paulo, marcava com os meus amigos queridos, saía para jantar, enfeitava o apart-hotel com as minhas coisas, cobria a cama com o meu edredom. Mesmo que tivesse de empacotar tudo, todas as semanas, eu achava que tinha duas casas nas cidades que mais amo, e onde estão as pessoas de quem gosto. Além disso, ‘Sai de Baixo’ me permitiu uma tranquilidade financeira. Além do salário, recebíamos muitas coisas mais. Como o elenco brigava o tempo todo por vantagens, eu acabava usufruindo. Foi com o dinheiro que ganhei em ‘Sai de Baixo’ que pude comprar este apartamento em que vivo agora e consegui fazê-lo exatamente da maneira que queria. Mas, como dizem a Fernanda e a Tônia, era chegada a hora de brincar de outra coisa”... Antes de partir para novos projetos, a improvisação do humorístico contagiou a atriz... “’Noite Feliz’ é uma peça linda do Flávio Marinho, que eu gostava muito de fazer. Era a história de uma mãe severa, que tem um filho homossexual e que acaba se abrindo com ele em uma cena emocionante, que adorava. Na época, estava em ‘Sai de Baixo’ e quebrei o pé, quando tropecei no teatro onde eram feitas as gravações. Na peça, eu entrava reclamando porque havia subido três andares de escada. Como fazer isso, com a perna quebrada? Inventei um ‘caco’ que o zelador me levava escada acima nesses andares. Um dia, quando ele me trazia na cadeira de rodas, eu disse: Obrigada, Ribamar. ‘Sai de Baixo’ era um sucesso enorme e a plateia veio abaixo. Só ouvi uma voz, era Stela Freitas, que fez o seguinte comentário: Era só o que faltava... Bastou, tive uma crise, disse que odiava a todos, que eles eram péssimos companheiros, sem humanidade, que não haviam me dado a menor assistência vendo que estava em uma cadeira de rodas e saído elenco. Eu e o Flávio Marinho voltamos às boas depois de um certo tempo, mas não tenho saudade alguma daquele elenco. Tenho certeza de que, mesmo em cadeira de rodas, não deixei a peça cair”... Depois do humorístico, Aracy interpretou Custódia no episódio “Os Mistérios do Sexo” em “Brava Gente” (2001), Hermínia Lemos em “Sabor da Paixão” (2002), Ana Rosa Naves no episódio “Irmãos Naves” do “Linha Direta” (2003), Germana Pacheco em “Da Cor do Pecado” (2004) – novela protagonizada por Tais Araújo, a quem a atriz aconselhou e ensinou – Leontina Sá Marques em “A Lua Me Disse” (2005) – trama escrita por Miguel Falabella – Amélia no episódio “As Testemunhas, o Hóspede e os Amantes” de “Casos e Acasos” (2008), Teresa Fernandes Moretti em “Queridos Amigos” (2008), Shafika Sarakitian no episódio “A Ilha do Doutor Ladir” de “Toma Lá Dá Cá” (2008) – onde reencontrou Miguel em cena, vide cena em que Mário Jorge diz que conhece Shafika de algum lugar – Dona Mariana em “O Natal do Menino Imperador” (2008), Gemma Mattoli em “Passione” (2010), Máslova Tilman em “Cheias de Charme” (2012), Cândida no episódio “A Volta de Veruska” de “Louco por Elas” e novamente Cassandra Matias Salão nos episódios do “Sai de Baixo” gravados para o canal Viva em 2013, três anos depois da série original ter se tornado, com uma exibição diária, o primeiro grande sucesso de audiência da emissora paga, retomando a parceria com Luiz Gustavo, Marisa Orth e Miguel Falabella, mas sem rever Tom Cavalvante... Depois, foi Dona Pupu em “Saramandaia” (2013), Iracema Avelar em “Geração Brasil” (2014), Consuelo em “Ligações Perigosas” (2016), Gepinha em “Sol Nascente” (2016), Mariazinha em “Pega-Pega” (2017), Aracy Balabanian numa participação em “Tá No Ar: A TV na TV” (2018), Janete Kavaco em “Palhação: Vidas Brasileiras” (2018) e Dona Rosa no especial e Natal “Juntos a Magia Acontece” (2019)... O entendimento com Tom Cavalcante enfim aconteceu quando Cassandra voltou a dividir a cena com Ribamar em “Sai de Baixo – O Filme” (2019), apesar de ter participado de apenas três dias de filmagens, fato que Miguel Falabella não deixou de mencionar em uma das cenas produção, mostrando que Caco Antibes ainda estava afiadíssimo diante da sogra “Cascacu”... Ops!!!...
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E pensar que Silvio de Abreu a princípio imaginou Aracy interpretando uma húngara ao invés da Dona Armênia... |
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