Análise do crítico de televisão é excelente, mesmo levando a sério a zoeira de funcionários do SBT em vídeo de 1982... |
No último dia 23 de maio, o SBT não exibiu a edição de sábado do noticiário “SBT Brasil”... O noticiário foi substituído às pressas pelo programa “Triturando”, que até o dia 8 de maio se chamava "Fofocalizando”... Na verdade, entrou no ar a reprise do programa do dia anterior... No qual, entre outros assuntos, a jornalista e ex-competidora do BBB Ana Paula Renault, mineira de nascimento, comentou a música de Alvarenga e Ranchinho sobre São Paulo... O motivo alegado para a mudança seria o interesse do proprietário da emissora, Silvio Santos, de não divulgar o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, liberado no dia anterior pelo STF... Ao menos não de forma a prejudicar o presidente Jair Biroliro... Então é por isso que no domingo, entre uma reapresentação do programa “Eliana” e uma reprise do “Roda a Roda Jequiti”, o canal exibiu um trecho da reunão em que Biroliro estava fulo da vida com porque impediram seu próprio irmão de entrar em um açougue para comprar carne na região de Registro, exigindo o armamento da população para legalizar a ação das milícias, que dizer, para reagir às supostas arbitrariedades de governadores e prefeitos na pandemia de Covid-19... Ou seja, para fazer uma abordagem jornalística da reunião, associando as declarações do presidente às interferências na Polícia Federal para abafar o caso de seu filho Flávio Biroliro, não valia a pena passar o “SBT Brasil”... Mas aproveitar a fala de Biroliro e reviver o “A Semana do Presidente” , exibido no “Programa Silvio Santos” entre 1981, pela Record e TVS Rio, e 1997, no SBT, era totalmente pertinente... Alis, o quadro é tema de um dos capítulos do livro “Topa Tudo por Dinheiro – As Muitas Faces do Empresário Silvio Santos”, escrito pelo jornalista e colunista da UOL, Maurício Stycer, e lançado em 2018... A obra é uma espécie de “revisão crítica” da bibliografia sobre o apresentador... A leitura do livro mostra que Stycer seguramente deparou com a mesma dificuldade de outros autores que se dispuseram a escrever a respeito do dono do SBT... A dificuldade de obter o depoimento do biografado... Então é por isso que o autor registra a justificativa-padrão que Silvio apresenta para não falar a nenhum candidato a biógrafo – a história da cartomante, também registrada em “Biografia da Televisâo Brasileira”, de Flavio Ricco e José Armando Vannucci... Para ele, a assessoria de Silvio não colocou nenhuma vidente no meio, mas, enfim... Também é sagaz em constatar que a relutância do apresentador em ser entrevistado segue em paralelo à convocação de entrevistadores cujas matérias o agradaram para trabalhar com ele... Praticamente uma tradição, Mojica, que vem desde Décio Piccinini até Ricardo Valadares, passando por Arlindo Silva e Marcos Wilson... A questão da negativa a entrevistas foi bem resolvida pelos autores de dois dos trabalhos mais recentes sobre Silvio – Fernando Morgado e a dupla Márcia Batista e Anna Medeiros – lançando mão de fontes secundárias, no caso, outros livros e matérias jornalísticas... Algo que o colunista da UOL também fez, vide agradecimento ao Banco de Dados da “Folha de S.Paulo” pelo levantamento de reportagens sobre o apresentador nos arquivos do jornal... Também usou vídeos do Youtube © para, por exemplo, em um mesmo capítulo – “Sou um office-boy de luxo do governo”, que aborda as relações de Silvio com o governo federal e como isso influenciou a supervisão exercida sobre o jornalismo do SBT – resgatar os textos lidos pelo locutor Luiz Lombardi Neto em “A Semana do Presidente” (inclusive o vídeo da visita de João Figueiredo ao Peru, em 1981, está no canal do próprio Stycer...) e descrever o programa “O Homem do Sapato Branco”, apresentado por Jacinto Figueira Júnior nas emissoras do empresário entre 1979 e 1982... Só faltou um alerta do postador do vídeo de que a descrição - “Um programa para resolver os problemas do povo... Um programa humano, romântico, civilizado, emocionante, honesto, e acima de tudo, VERDADEIRO!!!” – faz parte de uma brincadeira de final de ano dos funcionários do SBT, exibida dentro da emissora no final de 1982... Quem mandou postarem a abertura separada do vídeo, digo...
Livro faz "revisão crítica" de outras obras sobre a saga de Senor, em especial as biografias escritas por Arlindo Silva... |
No aspecto biográfico da obra, Stycer optou pela comparação das diferentes versões sobre a trajetória de Silvio Santos, em especial a biografia em quadrinhos roteirizada pelo escritor Rubens Francisco Luchetti em 1969 (e relançada em 2017...) e os vários livros escritos pelo jornalista Arlindo Silva – cuja base foi a série de reportagens que publicou na revista “O Cruzeiro” entre agosto e outubro de 1972... Nesse ponto, foi igualmente sagaz ao apontar algo que o “fandom” de televisão sabe há muito tempo... Há muito de fantasia sobre o começo da vida de Silvio nas biografias feitas por Silva – “A Vida Espetacular de Silvio Santos”, de 1972, e as três edições (2000, 2002 e 2017...) de “A Fantástica História de Silvio Santos”... Alguma coisa foi esclarecida pelo próprio apresentador na montagem da exposição “Silvio Santos vem aí”, no Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo, em 2016... Além de pedir para não levarem ao pé da letra as histórias de infância contadas no livro, ainda esclareceu que seu filme predileto quando pequeno era “Always in My Heart” e não a série “O Vale dos Desaparecido”... Porém, o problema permaneceu depois que Silvio cresceu, como demonstra o relato da edição de 2000 sobre a chegada de “Chaves” e “Chapolin” ao Brasil em um único lote de 500 episódios – hoje, graças a pesquisas feitas por fãs, sabe-se que as duas séries mexicanas vieram em quatro lotes, embora o número total de capítulos adquiridos ainda seja um mistério por falta de transparência do SBT... Apesar de fazer ressalvas aos relatos de Luchetti e Silva, o jornalista opta por não abordar em detalhes a vida privada de Silvio, por não ser o foco da obra... Assim, o papel das filhas na construção da rede de relacionamentos no mundo político e empresarial não é mencionado... O que deixou de fora a “sociedade” de uma das filhas com o herdeiro de Edemar Cid Ferreira, dono do Banco Santos, que sinalizava para uma possível fusão da instituição financeira com o Banco Panamericano, pertencente a Silvio (até o Banco Santos quebrar, em 2004...), e de outras duas com políticos que votaram a favor do impeachment de Dilma Rousseff, votação não transmitida pelo SBT... Um deles mantém a sociedade até hoje, e deu alguns netos ao apresentador... Igualmente explica a ausência de menções a uma publicação que destoa de tudo o que já foi escrito sobre ele: “Adelaide Carraro no Mundo Cão do Silvio Santos”... Faz sentido... As revelações sobre a vida amorosa e sexual do apresentador podiam ser impactantes no tempo em que escondia a idade ou omitia sua “sociedade”, dois pontos bem ressaltados pelo colunista da UOL em seu livro... Hoje, quando o discurso permeado por um “humor autodepreciativo, de cunho sexual” predomina em seus programas, a obra de Shirley Queiroz sobre a passagem da escritora Adelaide Carraro pela produção do “Programa Silvio Santos” na década de 1970 não causa nenhum escândalo... Fazendo uma análise que é própria do crítico de televisão - não à toa é repetido o chiste que diz que SBT quer dizer "Silvio Brincando de Televisão" - Stycer relaciona o Silvio comunicador com o empresário, e como a interligação dessas duas vertentes define suas relações com políticos, governos, concorrentes – cordialidade com Roberto Marinho, admiração pelo religioso Edir Macedo, disputa de audiência à parte - e imprensa... A argumentação do autor é bem fundamentada pela leitura atenta de diversos livros sobre mídia e política... Quem leu quase todos os 42 livros pesquisados pelo jornalista – inclusive “Verás que um filho teu não foge à luta”, sobre a história do MMA no Brasil, onde estão informações sobre Carlos Renato, primo da “sócia” do presidente Figueiredo, o jurado que ajudou no “lobby” para obter a concessão do SBT, em 1981 – pode atestar que o trabalho de compilação e comparação foi forte... Há menos espaço para fatos novos, que não deixam de estar presentes, resultado de entrevistas feitas para elaboração do livro... O mais relevante são os detalhes sobre as negociações para a contratação de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, pai do Bofinho, para trabalhar no SBT, em 2001, intermediada pelo vice-presidente da emissora na época, José Roberto Maluf... Boni conta ao autor que assinou o contrato, porém Silvio desistiu do negócio... “Ele não poderia mexer na programação sem me consultar e eu teria 50% de participação nos lucros que excedessem o lucro dele naquele momento... Ele se arrependeu e pediu para fazermos um distrato... Eu jamais poderia contrariar o Silvio e nunca exigiria o cumprimento do contrato assinado... Não daria certo... Em respeito ao Silvio, fiz o distrato com muito prazer... Melhor do que brigar depois”... A relação de Silvio como locatário de horários da Globo na gestão de Boni e Walter Clark, entre 1967 e 1976, também deve ter pesado, mas, enfim... A obra também revela que Silvio desistiu de assinar contrato com a produtora holandesa Endemol para produzir o “Big Brother” porque “além do valor do investimento, Silvio se incomodou também com o fato de que o contrato com a Endemol deixava o SBT com poua margem de manobra para mexer no contrato ou improvisar”... A informação, dada ao autor em caráter confidencial, complementa o que foi descrito por Ricco e Vannucci, que abriram a caixa preta da “Casa dos Artistas” ao lançarem “Biografia da Televisão Brasileira” em 2017... Produzir por conta própria uma versão do “reality-show” da Endemol gerou um fenômeno de audiência – a final da primeira temporada, em 2001, ainda é a maior audiência da história do SBT... Todavia, o orgulho ferido da Globo aumentou a disposição de reagir ao êxito da concorrência e fez com que o “Big Brother Brasil” se tornasse um êxito mais duradouro... Certo, o colunista fala em “razoável sucesso” do BBB, mas entendedores entenderão que anualmente ele é importunado nas caixas de comentários de seus artigos sobre o “reality” por “fanbases” de competidores do “reality” – em 2018, só para citar um exemplo, os de Paula Amorim Barbosa eram os mais barulhentos – e “haters” do programa como um todo... Que coisa, não...
Biografias recentes sobre Silvio evidenciaram detalhes da trajetória do comunicador, previsão da cartomante à parte, digo... |
Stycer buscou desconstruir as mistificações que cercam a figura de Silvio Santos, embora ele próprio esteja envolvido em uma “lenda urbana” – a de que ele e seus colegas colunistas da UOL, Chico Sarney e Flávio Ricco, não gostam de “Chaves”... No entanto, ele teve se curvar às evidências e relatar que na organização da exposição sobre Silvio no MIS em 2016 – aquela que supostamente será levada em caráter permanente para o antigo teatro do SBT na região da Ataliba Leonel – o apresentador pediu que três programas de sua emissora fossem destacados na mostra – “Bozo”, “Casa dos Artistas” e “Chaves”... Sim, ele aceita que Silvio pessoalmente decidiu pela exibição das três atrações... Que teve a palavra final, não há dúvida... Porém, nesses três casos, ele sempre foi convencido por algum de seus funcionários... A compra dos direitos de “Bozo” foi sugerida por Ricky Medeiros, como aponta “Biografia da Televisão Brasileira”, porque Silvio preferia o “Clube do Mickey” – que Medeiros, como responsável pela compra de filmes e séries no exterior, sabia que sairia mais caro... Quando a “Casa dos Artistas”, o próprio livro relata a sugestão feita ao mesmo tempo por dois diretores do SBT, Alfonso Aurin e José Roberto Maluf, que viram as versões do “Big Brother” exibidas na Holanda e na Espanha... No que diz respeito a “Chaves”, a opinião do diretor de dublagem da emissora, José Salathiel Lage, teve bastante influência, uma vez que ajudaria a aprimorar a tecnologia de dublagem em videoteipe e proporcionaria mais trabalho para o pessoal dos estúdios da TVS... O próprio Stycer reconhece esse mérito, de forma indireta, ao dizer que o fato de adultos interpretarem os principais papéis de crianças funciona muito bem em “Chaves” e “no Brasil, esse efeito foi amplificado pelos excelentes dubladores que trabalharam na adaptação”... Uma afirmação que vai surpreender os fãs, que ele afirma serem “articulados em fóruns bem organizados” – alguns até já trabalharam no portal do grupo Folha... Outros acreditam que a saga dos espíritos zombeteiros de “Chaves” saiu do ar devido a um veto de Ricky Medeiros, que é espírita, mas, enfim... A prioridade do colunista da UOL é o retrato do “empresário habilidoso e imprevisível”, o que inclui um pequeno e bem-elaborado perfil dos proprietários de emissoras de televisão no Brasil desde seu início, em 1950, nem que para isso seja preciso usar uma obra acadêmica, no caso “Circo Eletrônico, Silvio Santos e o SBT”, Maria Celeste Mira... É dali que ele extrai a explicação para o esforço de qualificação da programação da emissora a partir de 1983, a procura de anunciantes com maiores verbas para publicidade... Faltou apenas citar dois fatores externos que estimularam essa busca, a unificação da programação nacional, seguindo o exemplo de Globo e Band, e o surgimento da TV Manchete, cuja concessão foi outorgada na mesma época que o SBT... A quebra do Banco Panamericano é descrita em detalhes e o que faltou escrever é o mesmo da biografia de Morgado... Um pouco de “background”, mostrando o quando a crise financeira de 2008 comprometeu o principal negócio do banco, o crédito pessoal (e isso está na raiz da fraude que levou a sua venda, Luis Paulo Rosenberg...) e a pressão que fez junto aos banqueiros para que adquirissem o Panamericano, dizendo textualmente que o sistema financeiro do Brasil iria a bancarrota... Silvio não necessariamente trabalhou forte para “fingir demência”, como observa o autor, o que ele não queria era ver seu banco liquidado ou adquirido pelo governo (que já era acionista minoritário desde a crise, por meio da Caixa...), o que destruiria toda a meritocracia em torno de sua história de vida... Felizmente, o desfecho foi favorável e o Panamericano foi vendido ao banco BTG Pactual, fundado por Paulo Guedes, atual ministro da Economia... Alis, a parte sobre política do livro, lançado em 2018, já precisaria de uma atualização a respeito do governo Biroliro... A análise feita pelo jornalista demonstra que, assim como o governo de José Sarney é considerado o auge da influência de Roberto Marinho junto a presidência da república, o ápice da proximidade de Silvio Santos com o poder aconteceu com o último presidente da ditadura militar, João Figueiredo... E com a volta de um militar ao cargo, a impressão é que a meta de Silvio é resgatar esse vínculo, diretamente ou por meio de familiares, Alexandre Patolino... Isso apesar da pandemia impedir as gravações do programa, obrigando a reapresentação de quadros antigos, como o que o apresentador conversa com Maísa Silva aos seis anos – hoje, aos 18, Stycer a considera subaproveitada no “Programa da Maísa”... Ou o concurso de mágica que Pyong Lee diz ter sido fundamental para sua carreira – que segue hoje sem a ajudante que o acompanhou em 2010... Ou ainda uma disputa no “Não Erre a Letra” de 2014, com dois possíveis sucessores de Silvio na parte artística – Celso Portiolli e Patrícia Abravanel – a ocupante atual do horário que comandou nos domingos à tarde – Eliana Michaelichen – um recém-contratado que cerrou fileiras pelo impeachment de Dilma e em seguida se aproximou de Olavo de Carvalho, o guru do atual presidente – Danilo Gentili – e um jovem ator que o dono da emissora fez questão na época, de impedir a ida para a Record – Jean Paulo Campos, o Cirilo de “Carrossel”, que deixou o SBT em 2018...
Lançado em 2018, livro já precisa de uma atualização, para abordar relação atual entre Silvio Santos e Bozo... Ops!!!... |
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