Percebemos que o senhor está muito empolgado, mas não esqueça de adquirir um bilhete, doutor Kenji... |
Um dos maiores segredos da Coreia do Norte era o sistema de metrô de Pyongyang, capital do país... Até 2010, apenas duas estações estavam acessíveis aos estrangeiros em visitas guiadas... Puhung e Yonggwang, ambas as duas em sequência, na linha Cholima... Isso levou a especulações de que o sistema, com duas linhas e 16 estações, não existia na realidade... A partir de então, foi permitida a entrada de turistas em seis estações e em 2014 começou um tour com viagens nas duas linhas e visitas a todas as estações... O Doutor Kenji queria conferir de perto e por isso pesquisou na internet à respeito... Encontrou um tasmaniano desenvolvedor de softwares que fez o percurso completo – tanto a linha Cholima quanto a linha Hyoskin - e colocou as fotos, uma ousadia numa sociedade em que a vigilância do governo trabalha forte - em seu vlog... Kenji perguntou se tudo aquilo era de verdade, o tasmaniano, golfista por hobby, respondeu... “Rapaz, é serio, o metrô não é ‘fake’ nem coreografado, é um serviço integral em Pyongyang”... Na verdade, apenas a região oeste da capital norte-coreana é servida pelos trens... Isso devido a um acidente no túnel sobre o Rio Taedong, em 1971, que teria vitimado pelo menos uma centena de trabalhadores... Sendo que a obra nunca foi retomada, embora nos planos de expansão haja estações do outro lado do rio... O sistema, cuja construção começou na década de 1960, inspirada no metrô de Pequim, iniciou a operação em 1973, na linha Cholima – nome de um cavalo alado da mitologia coreana, equivalente ao Pégaso, ajuda os teus companheiros... Ops!!!... Em 1975 entrou em funcionamento a linha Hyoksin – “Renovação”... Somadas as duas linhas, são 22,5 quilômetros de extensão... Pouco, até na comparação com São Paulo, digo... A passagem custa 5 won, o equivalente a 1 centavo de dólar, o famoso “penny” – ou 3,5 centavos de real... Os bilhetes são confeccionados em papel... Quanto comprou seu bilhete na estação Yonggwang (“Glória”) – havia um general do exército bem na sua frente - o doutor reparou que o vidro da bilheteria não permitia identificar as bilheteiras... Mas dava para perceber a silhueta de um vaso com flores roxas e vermelhas... Nosso colega de rede foi informado de que seus nomes são “Kimilsungia” e “Kinjongilia”... Homenagens aos dois primeiros líderes do país, Kim Il Sung e Kim Jong Il... Uma entre muitas, ao longo da linha... A estação Yonggwang é ricamente decorada, com uma profusão de mármores e uma colunata que lembram o metrô de Moscou – que nosso companheiro de web também precisa visitar antes da Copa do Mundo de 2018... Há um grande painel completado em 2013, retratando Kim Jong Il na região do Monte Paekdu, montanha mais alta da Coreia do Norte, onde o pai e antecessor de Kim Nam Ul teria nascido, em uma base militar secreta... E não na Rússia, onde Kim Il Sung estava exilado, como indicam registros da antiga União Soviética... A profundidade, superior a 120 metros, também lembra o sistema moscovita, vide função de abrigo nuclear... Isso o doutor notou ao descer pela escada rolante... Além da fixa, é claro... A poprósito, sua entrada na estação foi retardada pela passagem de um ônibus verde e amarelo, com letreiro em vermelho na lateral... Outra semelhança é a ausência de placas de identificação no alfabeto latino... Só em coreano, língua que Kenji não domina... Ainda se fosse em japonês, ou mandarim...
Em frente a escadaria da estação Yonggwang, um grande painel homenageia o saudoso líder Kim Jong Il... |
Os trens operam em intervalos de dois minutos no horário de pico, que aumenta para sete minutos fora da hora do “rush”... Na estação seguinte, Ponghwa (“Tocha”), Kenji notou a grande presença de estudantes uniformizados... Estariam indo ou voltando da escola???... Também há painéis onde são fixadas páginas de jornais, onde os líderes históricos do país são o principal assunto... “Que as realizações imortais construídas pelo Partido dos Trabalhadores da Coreia durem por dezenas de milhões de anos”, dizia uma manchete... Como ele conseguiu traduzir é uma boa pergunta... Na próxima parada, Tongil (“Reunificação”), um mosaico representa a reunificação coreana, com a figura de Kim Il Sung estampada no sol, vide Teletubbies... As pessoas no mosaico se abraçam, algumas seguram bandeiras, sempre da Coreia do Norte... Um alto-relevo em bronze mostra a resistência às tropas estadunidenses durante a Guerra da Coreia, entre 1950 a 1953, que consolidou a divisão da península coreana no paralelo 38, ao final do conflito que nunca teve um tratado de paz... Outro alto-relevo mostra a opressão das famílias impostas pelos militares dos Estados Unidos... País que continua a ser muito prestigiado pelos norte-coreanos... Mais adiante, Kim Il-Sung, “o sol das nações”, fundador da República Democrática Popular da Coreia, lê seu próprio livro... O luto pela sua partida, em 1994, também é ilustrado em bronze... Enquanto um trem parte da plataforma, Kenji observa outro painel em bronze, representando trabalhadores... No painel dos jornais, uma notícia sobre esporte... “Vamos trabalhar forte e transformar o país numa potência esportiva, vigorosamente agitando um frenesi de educação física”... Ops!!!... Na estação Kaeson, que também se destaca pela profundidade, há uma estátua dourada de Kim Il Sung na plataforma, colocada em um pedestal de mármore... Ele sorri, enquanto a maioria das pessoas nas plataformas tem um semblante sério... “Kaeson” quer dizer “Retorno Triunfal” – do próprio Kim - pois nas proximidades da estação há um “Arco do Triunfo”... O tasmaniano explicou a Kenji antes da viagem que este nome é uma exceção, pois a maioria das estações referem-se genericamente à revolução socialista e não ao lugar onde estão localizadas... Nesse caso, seria mais uma coincidência... Será que algum norte-coreano poderia fazer uma foto do doutor ao lado da estátua???... Na plataforma também há um mosaico retratando a vitória sobre os japoneses em 1945, expulsando as tropas que invadiram o país em 1937... Artes de Kim Il Sung, novamente homenageado nas pastilhas coloridas... Kenji também repara na funcionária do metrô, com uniforme em estilo militar – o que inclui saia abaixo do joelho e meia-calça - que segura um bastão com um círculo vermelho na ponta... Cabe a ela supervisionar a entrada dos passageiros nos trens e sinalizar quando todos estão embarcados... Na estação Chonu (“Camarada”) acontece a integração com a linha Hyoksin... Um dos mosaicos saúda a “liberação da mulher feminina”... Por algum motivo, Kenji lembra que o tasmaniano lhe disse que pode haver outras linhas, exclusivamente para uso de funcionários do governo e militares, como acontece em Moscou... Uma evidência seria a importação do dobro de material rodante necessário para a operação do sistema... Mas isso é um mistério que o Doutor não conseguiu desvendar... A linha Cholima termina na estação Pulgunbyol (“Estrela Vermelha”)... Numa das colunas da plataforma, revestida de mármore, há uma roda dentada em bronze... Em seu interior, estão cruzados um martelo e uma metralhadora... Um símbolo nacional???... Enquanto isso, um grupo de mulheres civis aguarda a abertura das portas do trem... A maioria usa saia, apenas uma está de calça... Outra carrega um guarda-chuva, o dia estava ensolarado... Isso lembra que Kenji viajou para o outro lado do mundo e não está prevenido para o caso de chuva!!!...
Durante o percurso, o doutor esteve atento à ornamentação das estações e plataformas e ao material rodante... |
Vestindo uma camisa de botões azul, Kenji passa despercebido no meio da multidão que se utiliza do metrô de Pyongyang... Com uma capanga e um relógio de pulso dourado, passaria por um norte-coreano comum... Tipo aquele que parecia com Kim Jong Il... Assim ele pode observar tranquilamente os trens do sistema da capital norte-coreana... Importados da Alemanha em 1998 – substituindo os primeiros trens, de fabricação chinesa - onde serviram no “U-Bahn”, o metrô da cidade de Berlim... São de dois tipos, o D (“Dora”), construídos entre 1957 e 1965, e o GI (“Gisela”), fabricados entre 1978 e 1982... O tasmaniano disse a Kenji que com um pouco de sorte, dá para identificar algum vestígio dos rabiscos deixados pelos passageiros alemães... Pois se um norte-coreano ousar riscar o carro em que está viajando, pode levar uma pesada multa... As plaquetas de identificação originais dos trens, com indicação de fabricantes, foram removidas... Mas cada carro tem o seu retrato de Kim Il Sung e Kim Jong Il... No trem lotado, ninguém dá muita importância para a presença do Doutor Kenji... Na estação Chosun é possível embarcar na linha Hyoksin em Chonsung (“Triunfo”, também)... Vide painel que mostra uma recepção festiva, com fogos de artíficio, a Kim Il Sung... Nosso colega de rede decidiu ir para Ragwon (“Paraíso”, não confundir com a de São Paulo)... No caminho, a estação Samhung... Um mosaico retrata a condecoração de jovens militares... Outro mostra que os norte-coreanos acreditam muito na ciência... Mais um, ilustra o avanço tecnológico... São as “Três Revoluções – de onde vem o nome da estação - preconizadas por Kim Il Sung... “Ideológica, Técnica e Cultural”... Há mosaicos mostrando jovens tocando instrumentos musicais e dançando... Noutro, praticando esportes... Ao fundo, jogadores de futebol... A frente, ginastas... Belas figuras, pensou o doutor... O tasmaniano sugeriu a Kenji que assistisse ao grande festival patriótico no Estádio Primeiro de Maio, com capacidade para 150 mil pessoas... Depois que ele conhecer todo o metrô, quem sabe... A linha termina em Ragwon... De lá nosso colega retorna novamente pelas estações Samhung e Chonsung, prosseguindo rumo a Hyoksin... Estação com o mesmo nome da linha – e os mesmos painéis com jornais do dia... Na plataforma é uma boa opção para a espera, fotos dos líderes não faltam... Um grupo de funcionárias aguardam o trem, uma delas olha rapidamente para o Doutor, que olha para os cantos... “Maximizar o aumento de produção e a economia de dinheiro” é conselho que Kim Il Sung dá no mosaico... Na estação Konsol (“Construção”), o líder ordena a reconstrução de Pyongyang, após o final da Guerra da Coreia em 1953... Aqui os mosaicos aludem à indústria e a construção pesadas – a própria obra do metrô é retratada ... Descendo a escada para a plataforma, Kenji repara no caminho de ladrilhos entre os trilhos... Nesta estação, a funcionária do bastão com a ponta vermelha usa salto alto... Ops!!!... Em Hwanggumbol, um gigantesco lustre com cristais ilumina a estação, emulação do estilo soviético... Foi aqui que o tasmaniano registrou seu guia lendo o “Lonely Planet” sobre a Coréia do Norte, que não conhecia... Kenji tentou comprar um, mas não encontrou em nenhuma livraria paulistana... E a “Folha” não tem guia, que coisa, não... O nome da estação quer dizer “Soja Dourada”... Então é por isso que os mosaicos aludem à agricultura, vide árvores frutíferas... Adivinha quem está no meio de uma plantação de soja???... O onipresente Kim Il Sung... Apesar das alusões ao trabalho no campo, a estação possui uma loja... Que não pode ser fotografada por dentro... Restou ao internauta registrar os curiosos que passavam pela vitrine observando as capas para celulares, óculos de sol, perfumes, fones de ouvido e brinquedos, muitos brinquedos... Impossível não se lembrar dos camelódromos no Brasil, será que esses produtos também são chineses, mesmo sendo a economia norte-coreana fechada para o mundo???... Nosso colega de rede não pode tirar a dúvida, pois a venda é proibida para estrangeiros... Em Konguk (“Fundação Nacional”), chama a atenção a entrada da estação, em estilo moderno, revestida de ladrilhos... Que contrasta com as colunas em estilo grego das plataformas... A viagem termina em Kwangbok (“Restauração”), com painéis em bronze retratando a guerra contra o Japão e a pretendida reunificação das duas Coreias, além das florestas onde os militares norte-coreanos fizeram suas bases na guerra contra os Estados Unidos... Acabou???... Nada disso!!!... Kenji ainda tem que explorar as linhas de trólebus de Pyongyang... Ainda há muito para ver, inclusive o Museu do Metrô...
Dentro do trem lotado em Pyongyang, Kenji poderia ser confundido com um norte-coreano comum... |
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